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Inventário mede o impacto ambiental da cadeia leiteira brasileira 

O setor da pecuária de leite do Brasil passa a ter uma base de informações que possibilita mensurar impactos da atividade no meio ambiente 
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FOTO: REPRODUÇÃO

A Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UFTPR) e a Embrapa concluíram o primeiro Inventário do Ciclo de Vida (ICV) do leite bovino in natura produzido no País. Segundo a analista da Embrapa Gado de Leite Vanessa Romario de Paula, que participou dos trabalhos, o ICV do setor é um marco para a pecuária de leite do Brasil, que passa a ter uma base de informações que possibilita mensurar impactos da atividade no meio ambiente. “Os dados que estavam disponíveis até então referiam-se à pecuária de leite de outros países, que não representam as condições de clima tropical brasileiras”, conta. “O ICV – Leite se apresenta como uma base pública de dados para estudos que envolvam gestão ambiental e sustentabilidade da pecuária de leite”, explica a analista. 

Para construir o ICV de um produto ou serviço é realizada coleta de dados sobre as etapas que compõem o ciclo de vida do produto ou serviço. O processo de construção do ICV – Leite incluiu a identificação das matérias-primas utilizadas na produção, o consumo de energia e água, entre outros recursos, bem como a geração de resíduos e emissões ao longo do ciclo de vida do produto “leite”. Foi um avanço que permitirá o direcionamento de novos estudos sobre Análise do Ciclo de Vida (ACV), possibilitando mensurar impactos ambientais do setor produtivo (leia quadro abaixo). 

ICV, ACV e sustentabilidade na pecuária de leite 

A Avaliação do Ciclo de Vida (ACV) é uma abordagem metodológica utilizada para mensurar os impactos de determinado produto ou serviço, desde a extração de matérias-primas até a disposição final no meio ambiente. Uma das etapas da ACV, o Inventário do Ciclo de Vida (ICV), consiste na coleta de dados sobre todas as fases que compõem essa trajetória. O processo inclui a identificação das matérias-primas utilizadas na produção, o consumo de energia, água e outros recursos, além da geração de resíduos e emissões ao longo do ciclo de vida. 

Metodologia com base científica, a ACV é padronizada pelas normas ISO 14040:2006 e 14044:2006 e reconhecida internacionalmente. Ela pode ainda ser utilizada como instrumento de marketing, já que empresas que adotam a ferramenta destacam seus produtos e serviços como mais sustentáveis e amigáveis ao meio ambiente. Essa também é uma tendência do agronegócio, que busca se associar ao bem-estar animal, à sustentabilidade ambiental e à baixa pegada de carbono dos produtos (leia o quadro “Redução da pegada de carbono”). 

Para a realização do trabalho, foram inventariados três sistemas de produção de leite nos estados de Minas Gerais e Paraná: dois sistemas de produção em semiconfinamento (no qual as vacas vão ao pasto, mas também são alimentadas no cocho) e um sistema confinado (em que a alimentação do rebanho se dá apenas no cocho). “Nós contabilizamos todas as ‘entradas’ dos sistemas (produtos de limpeza, semente, adubos, eletricidade etc.) e saídas (leite, dejetos, animais, emissão de gases etc.)”, informa a analista. 

Vanessa Romario explica que a opção pelos sistemas confinados e semiconfinados se deu em função das suas participações no volume total da produção brasileira de leite. “Os dois sistemas representam mais de 50% da produção de leite nacional, o que torna o Inventário representativo, possibilitando estudos efetivos capazes de identificar pontos críticos e propor soluções para a melhoria dos sistemas, objetivando a redução da pegada de carbono do leite”, avalia. A pegada de carbono de um produto representa a quantidade, expressa em quilograma de dióxido de carbono equivalente (CO2 e), de emissões de gases de efeito estufa gerados no ciclo de vida de um produto. Há cerca de duas décadas, a Embrapa Gado de Leite desenvolve pesquisas voltadas para reduzir a emissão de CO2e na atividade (leia quadro abaixo). 

Em busca do leite baixo carbono 

A Embrapa Gado de Leite trabalha em parceria com empresas do setor que pretendem diminuir e até anular a pegada de carbono do leite. A instituição já reuniu dados de mais de 300 sistemas de produção leiteira, estabelecendo uma escala de “baixa”, “média” e “alta” pegada de carbono. A rede de cooperação internacional de análise da produção e do mercado de lácteos, International Farm Comparison Network (IFCN Dairy), aponta uma média mundial de emissão de 2,14 kg de CO2e por quilo de leite produzido. A média na Europa é um quilo de CO2e para cada quilo de leite. “Fazendas estudadas no Brasil conseguem ser eficientes, com algumas emitindo cerca de 0,85 kg de CO2e/kg de leite”, relata o pesquisador Luiz Gustavo Ribeiro Pereira. 

A bonificação de preço pela produção sustentável é uma forma de incentivar a redução da pegada de carbono do leite. O pesquisador Thierry Ribeiro Tomich cita uma linha de pesquisa realizada no campo experimental da Embrapa Gado de Leite, que também inclui fazendas comerciais. As “fazendas-piloto” do projeto, que adotam técnicas para reduzir a emissão líquida de CO2e, já estão recebendo como estímulo uma bonificação no preço do leite. Entre as contrapartidas dessas fazendas está a de receberem visitas periódicas de técnicos e pesquisadores, que coletam e analisam dados e indicam as melhores práticas a serem adotadas visando à redução da emissão líquida de GEE. 

No primeiro ano das pesquisas, as fazendas-piloto já apresentaram queda na emissão de CO2e próximo a 15%. A previsão é que, até 2025, obtenha-se uma redução da pegada de carbono acima de 30%, superando objetivos limites pactuados pelo Brasil na COP 26 (26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, realizada em novembro de 2021 na cidade de Glasgow, na Escócia). 

Segundo Pereira, as pesquisas realizadas nos últimos anos produziram informações voltadas para as condições da pecuária brasileira, customizando os modelos de predição de emissão para o cinturão tropical. 

 “Hoje, podemos afirmar que é possível produzir leite baixo carbono”, diz Pereira. Há um clima favorável para isso. A agenda ESG (Environmental, Social and Governance – Governança Social e Ambiental, numa tradução livre) chegou para ficar na cadeia produtiva de leite. “As empresas estão sendo cobradas por sustentabilidade e a agenda ESG estabelece modelo de gestão íntegra, incorporada em todas as ações de produção”, diz Tomich. “Os consumidores exigem que as fazendas, além de produzir leite de qualidade, também garantam o bem-estar dos trabalhadores, do rebanho e a sustentabilidade ou regeneração”, conclui Pereira. 

Demanda por ICVs 

Outros produtos da agropecuária brasileira, como a soja, também já concluíram seus ICVs. Os projetos foram financiados pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), no âmbito do edital MCTI/CNPq 40/2018 – Apoio à produção de inventários de ciclo de vida, atendendo à demanda do Banco Nacional de Inventários de Ciclo de Vida (SICV Brasil). Além da Embrapa Gado de Leite, participaram do projeto a Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UFTPR), a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), além de cooperativas e instituições estaduais de extensão rural. Os resultados referentes ao leite estão disponíveis no Banco Nacional do Ciclo de Vida (SICV) e podem ser acessados por qualquer pessoa por meio dos três links abaixo: 

– Milk production, from cow, semi-confined system, Zona da Mata region. 

– Milk production, from cow, semi-confined system, Central-eastern mesoregion of Paraná. 

– Milk production, from cow, confined system, Central-eastern mesoregion of Paraná. 

Redução da pegada de carbono: o imperativo dos nossos dias 

Uma das principais estratégias no combate às mudanças climáticas é representada pela redução da pegada de carbono de produtos, que é obtida pelo balanço de emissões de gases de efeito estufa (GEE) de todo o processo produtivo. A redução da pegada de carbono não só ajuda na mitigação dos efeitos das mudanças climáticas, como também pode trazer benefícios econômicos e sociais. Segundo Pereira, nunca foi tão necessário reduzir o desperdício e diminuir o consumo de recursos naturais finitos. Para ele, sustentabilidade já é essencial. “Chegou a hora de pensarmos em um futuro de agropecuária regenerativa, em que os processos produtivos garantirão a melhoria do desempenho ambiental, social e econômico das propriedades rurais,” afirma o pesquisador. 

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