O termo Agronegócio no Brasil tem sido usado de forma imprópria e estereotipada, como se referisse a um restrito grupo de grandes empresários da agropecuária, proprietários de grandes extensões de terra, que, privilegiados pela política pública, fazem uso intensivo de máquinas, insumos biológicos e químicos para produzirem grãos, carnes, açúcar e etanol, café, frutas, fibras e produtos florestais fundamentalmente para o mercado externo. Ao mesmo tempo, mesmo diante de tal abundância gerada pelo setor, grande contingente de brasileiros vive sob condições de subalimentação e desnutrição. A exportação, sendo mais lucrativa, desviaria do mercado interno a maior parte da produção agropecuária, encarecendo os preços dos alimentos. A produção de arroz e feijão e outros produtos de consumo popular seria relegada a pequenos produtores, que, valendo-se de áreas cada vez menores, não atenderia à demanda doméstica para esses produtos.
Na Aula Magna, no 61º Congresso da Sober, realizado em Piracicaba, trata-se desses conceitos e apresenta-se extensa lista de dados para validação (ou não) empírica das alegações acima mencionadas.
Para tal, parte-se da origem do conceito de Agronegócio. Negócio é um termo originário do latim, que significa “negação do ócio”. Refere-se, portanto, a toda atividade que resulte em produção de bens ou serviços para atender aos desejos e necessidade de quem a executa ou de outrem. Envolve o uso de trabalho e capital para atingir esses fins. Não tem a ver com tamanho, tecnologia ou tipo de produto nem ao destino que lhe é dado. Agronegócios seriam todos os negócios que devem sua existência à Agricultura no sentido amplo – significando o uso econômico dos recursos naturais orgânicos – animais e vegetais fundados no solo e no clima. Ou seja, Agricultura no sentido amplo, envolvendo atividades agrícolas, pecuárias, florestais, de pesca, inclusive agroindústria (de insumos e processamento) e agrosserviços (logísticos, comerciais, profissionais de consultoria, financiamento, etc.). Agronegócios seriam todas as atividades que se não fosse a agricultura (no sentido amplo) não existiriam.
A Aula apresenta dados que evidenciam que:
(a) O crescimento norteado pela industrialização urbana – baseada nos recursos naturais inorgânicos (minerais) – a partir dos anos 1930 promoveu substancial aumento do PIB brasileiro, mas não criou empregos suficientes para ocupar a população que migrou do meio rural para o urbano. A grande maioria dos migrantes foi se alocar no setor de serviços, onde a remuneração média era baixa. A indústria tem ocupado sempre no máximo em torno de 20% da força de trabalho nacional. Por fim, a pobreza e a concentração de renda aumentaram – e com elas , os problemas de alimentação – no auge do processo de industrialização (de 1950 a 1980).
(b) Para contornar essa frustração, o modelo de Revolução Verde foi implementado no Brasil, com base – como no caso da indústria de base mineral – em empresas multinacionais (de insumos, maquinário, comércio). Entretanto, dada sua vinculação aos recursos naturais brasileiros, juntaram-se ao processo fundações, universidades estrangeiras, que, em aliança com o setor público nacional, promoveram o fomento à formação de profissionais direcionados para o reforço do ensino e das ciências agrícola e rural nas universidades existentes e o apoio à criação adicional de entidades de pesquisa (como a Embrapa) e extensão.
(c) Em dois aspectos a Revolução Verde no Brasil diferenciou-se do processo de industrialização de base mineral. Por um lado, não visava à simples substituição de importações (ou seja, a atender apenas o mercado interno), mas, sim, pretendia alcançar o mercado externo. Por outro, por seu envolvimento com recursos naturais orgânicos e com as condições edafoclimáticas brasileiras, precisava gerar conhecimento científico e tecnologia no Brasil para o meio-ambiente do Brasil. O crescimento do Agronegócio é atribuído majoritariamente à produtividade, que cresce significativa e consistentemente há décadas ao contrário do que se observa na indústria de base mineral.
(d) Por volta dos anos 1990, o setor público precisou reduzir substancialmente o apoio – através de gastos e crédito subsidiado – à agricultura brasileira, atualmente uma das que recebe menos apoio do setor público no mundo. A ajuda desde então é focada principalmente nos agricultores de menor porte e capacidade econômica. Em vista do processo de globalização, o Agronegócio brasileiro aumentou seu engajamento também no mercado externo, onde alcança êxito marcante, a ponto de contribuir, com os saldos comerciais que gera, significativamente para tornar o Brasil um credor internacional. O Agronegócio tem sido uma fábrica de dólares baratos, que ajudam a indústria de base mineral no tocante a suas importações. Salienta-se ainda que tanto o Agronegócio quanto a indústria de base mineral contêm em suas exportações proporções semelhantes (em torno de 45%) de produtos primários (grãos num caso, e minérios, no outro).
(e) Ademais, hoje, o Agronegócio gera acima de 25% do PIB nacional. Emprega em torno de 20% da força de trabalho do Brasil. Na agropecuária trabalham 9%. Um terço dos ocupados na indústria trabalha em agroindústrias. O PIB da agroindústria é cerca da metade daquele da indústria de transformação nacional. A agricultura é o único setor econômico do Brasil onde a produtividade do trabalho cresceu significativamente – tendo mais do que quadruplicado nos últimos 30 anos. Nos demais setores observou-se estagnação, quando não retração.
(f) A grande deficiência da agricultura brasileira está na sua concentração de renda e no grau de pobreza na zona rural (que é percentualmente o dobro do total do país). No conjunto, 9% dos estabelecimentos rurais concentram 85% do valor de produção, o que é resultado das economias de tamanho – vantagens comerciais, financeiras e tecnológicas. Daí ser fundamental que os produtores menores – com o apoio do setor público – se organizem em associações e/ou cooperativas para também, além de se qualificarem tecnicamente, desfrutarem dessas vantagens comerciais, financeiras e tecnológicas. O meio rural precisa proporcionar condições satisfatórias de vida. Reforma agrária não pode ser apenas distribuição de terras.
Atualmente 84% da população brasileira vive em áreas urbanas. De 1975 a 2000, os preços reais recebidos pelos produtores agropecuários caíram 70%, mesmo percentual de queda ao consumidor. Desde então tem-se mantido relativamente estável em termos reais. Mesmo assim, da população total, 21% ou 22% sofrem com insegurança alimentar (moderada ou severa) e a mesma proporção (21% ou 22%) com obesidade. Como enfatizava Amartya Sen, nos anos 1980, a fome relaciona-se ao conceito de “entitlement”, ou seja, a capacidade de a pessoa conseguir alimentar-se em quantidade e qualidade suficiente, seja através da produção direta, da renda de seu trabalho em outras atividades, seja através de programas de transferências de renda providos pelo restante da sociedade. Desde os anos 2000, a extrema pobreza no Brasil caiu de cerca de 18% para 8%, em grande parte graças aos programas sociais.
Como o Brasil é um dos maiores produtores de alimentos, sendo também um dos maiores exportadores, deduz-se que seja um dos produtores mais eficientes, de tal forma que seus preços são dos mais competitivos. Ademais, as evidências indicam que os mercados doméstico e externo são significativamente integrados, prevalecendo a paridade de preços – de sorte que os preços domésticos correspondem (em média) aos preços internacionais em dólares convertidos em reais pela taxa de câmbio. Essa formação de preços vale não somente para os produtos mais negociados como soja, milho algodão, carnes, por exemplo. Mas vale, inclusive, para o arroz, feijão e leite. Isso significa que à população brasileira tais produtos são oferecidos aos preços mais competitivos do mundo. Não há aumento de produção de arroz e feijão porque não há mercado (consumidores com renda) para comprá-lo. O que falta, para sanar os problemas da alimentação no Brasil é renda suficiente para adquirí-la. No curto prazo, isso somente pode ser conseguido pela adequada transferência de renda entre as classes sociais. Mas, no médio e longo prazo, o direito à alimentação adequada deverá provir da renda melhorada por meio de programas de educação e capacitação administrativa e tecnológica seja para emprego no mercado de trabalho ou para empreendimento de negócios rentáveis e sustentáveis.
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