Os bancos brasileiros, ao oferecer crédito a frigoríficos e matadouros, terão de cumprir um protocolo com requisitos mínimos comuns para combater o desmatamento ilegal. A decisão faz parte do novo normativo, aprovado pelo Conselho de Autorregulação da Febraban, e de várias ações já adotadas pelo sistema financeiro no campo das finanças sustentáveis.
As novas regras, aprovadas em março, determinam que os bancos participantes da Autorregulação irão solicitar aos seus clientes frigoríficos, na Amazônia Legal e no Maranhão, a implementação de um sistema de rastreabilidade e monitoramento que permita demonstrar, até dezembro de 2025, a não aquisição de gado associado ao desmatamento ilegal de fornecedores diretos e indiretos.
Este sistema deverá contemplar informações como embargos, sobreposições com áreas protegidas, identificação de polígonos de desmatamento e autorizações de supressão de vegetação, além do Cadastro Ambiental Rural (CAR) das propriedades de origem dos animais. Aspectos sociais, como a verificação do cadastro de empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas à de escravo, também foram considerados.
Medida é alvo de críticas
O setor frigorífico brasileiro criticou as novas regras para concessão de crédito bancário para esses empreendimentos. Grandes indústrias entenderam o protocolo como uma “terceirização da responsabilidade” socioambiental dos financiamentos ao agronegócio.
Pequenos e médios empresários dizem que a norma pode alijar os frigoríficos de menor porte no país do processo produtivo. Os bancos desembolsam cerca de R$ 20 bilhões por ano no financiamento desse setor, segundo a Febraban.
Na visão da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec), os bancos deveriam adotar a mesma sistemática para a concessão de crédito aos seus correntistas em geral, com a aplicação de critérios socioambientais para todos os clientes.
“O projeto é bem-visto, mas tem que sofrer modificações. Temos 20 mil produtores rurais que os frigoríficos tiveram que rejeitar como fornecedores de gado porque não cumprem as regras do compliance. Não posso concordar que o meu indireto seja o direto deles”, disse o presidente da Abiec, Antônio Camardelli.
Uma nota técnica divulgada pela Abiec, que reúne as maiores empresas do ramo, como JBS, Marfrig e Minerva, diz que é importante que “os bancos exijam de seus clientes que implementem sistemas de monitoramento e rastreabilidade” e que “as áreas de compliance e due diligence das instituições financeiras adotem em relação a todos os seus correntistas, inclusive proprietários rurais, os mesmos critérios socioambientais já implementados pela indústria de processamento de carne bovina, e não apenas para concessão de crédito”.
A mensagem é que é responsabilidade dos bancos conhecer seus clientes. “Os frigoríficos são vistos por diferentes setores como um elo fundamental para que se imponha um ordenamento na cadeia produtiva da pecuária. Nós assumimos nossas responsabilidades, mas não aceitamos que outros setores terceirizem as suas responsabilidades para os frigoríficos”, acrescentou a nota da Abiec.
A entidade esclareceu que apoia as iniciativas para aumentar os padrões de sustentabilidade em todos os elos da cadeia pecuária e disse que desde 2009 as indústrias do setor têm implementado sistemas de monitoramento de critérios socioambientais dos seus fornecedores.
“Nos últimos anos, nossas associadas desenvolveram políticas que vão além de monitorar e bloquear. Estamos trabalhando em conjunto com os pecuaristas que podem regularizar sua situação ambiental, para trazê-los de volta à cadeia produtiva. Essa abordagem precisa entrar na agenda do setor financeiro, dado que na maioria das vezes essa regularização exige investimentos”, destaca a nota técnica.
Pequenos e médios
A Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafrigo), que representa estabelecimentos de menor porte, divulga que a preocupação é com uma possível exclusão dessas empresas do processo produtivo com a possível interrupção do acesso ao financiamento bancário. Dados da Febraban mostram que, em 2021, foram desembolsados R$ 21 bilhões em crédito dos bancos para a indústria frigorífica do País.
A entidade destacou que apoia as iniciativas de sustentabilidade na cadeia pecuária e ressalta que grande parte dos frigoríficos que atuam na região da Amazônia Legal já cumpre, além da legislação ambiental, os critérios dos Termos de Ajustamento de Conduta (TAC) firmados com o Ministério Público para verificação dos seus fornecedores diretos de gado.
Quanto aos fornecedores indiretos, além de não existir obrigatoriedade em lei para essa verificação, os instrumentos de monitoramento exigem investimentos ainda inacessíveis para algumas empresas, disse Paulo Mustefaga, presidente da Abrafrigo.
“As empresas têm interesse de se adequar, mas precisam ter condições de fazer isso. Os instrumentos que existem hoje ainda não dão condições de fazer o monitoramento indireto. As empresas não tem condições de investir milhões de dólares nisso”, disse ao Valor. “Vemos que grandes indústrias fazem grandes investimentos, com ferramentas sofisticadas, pois elas têm recursos para investir nisso, as pequenas e médias não. O problema é quando se pega isso como base de capacidade financeira e técnica dos grandes e transfere como obrigação a todos”, salientou.
Segundo Mustefaga, em última análise, a norma pode excluir frigoríficos e gerar impactos até aos consumidores. Ele ressaltou que o Ministério da Agricultura já trabalha com uma proposta de normatização para a adoção da rastreabilidade da cadeia pecuária no país, e que esses protocolos precisam estar integrados com esse tipo de proposta que vão auxiliar na adequação dos pequenos abatedouros.
“Todas as empresas precisam se preocupar com a questão da sustentabilidade, com monitoramento, para evitar comprar matéria-prima de áreas que não cumprem com a legislação ambiental, mas isso tem que ser feito de forma inclusiva e não excluindo ou prejudicando”, disse.
“O resultado disso pode ser maior concentração industrial no país e isso tem consequências sociais também. Se você mata as pequenas empresas porque elas não vão ter condição de obter crédito e sobreviver no mercado, você está gerando problemas sociais. É preciso analisar com cautela e que se dê oportunidades para todos participarem dos processos”, completou.
Resposta da Febraban
Depois do posicionamento da Abiec, a Febraban emitiu nota em que afirma que atua há mais de 20 anos na agenda de sustentabilidade e que “jamais terceirizou sua responsabilidade ou agiu de forma seletiva”. A federação diz que os bancos “analisam e gerenciam os riscos sociais, ambientais e climáticos nas operações com os clientes, para que a estabilidade e a resiliência das instituições e do próprio sistema financeiro sejam mantidos nesse processo de transição”.
A nota também especifica os critérios socioambientais que o Banco Central estabeleceu para impedir a concessão de crédito rural, muitos deles replicados na norma de autorregulação para a cadeia de carne bovina.
“O novo protocolo da Autorregulação Bancária, direcionado às operações de crédito com clientes frigoríficos e matadouros de abate bovino, é uma iniciativa complementar a uma série de iniciativas da Febraban e das instituições financeiras para a gestão dos riscos de desmatamento nas operações bancárias”, acrescenta o texto.
Fonte: Valor Econômico, adaptado pela equipe FeedFood.
LEIA TAMBÉM:
Presidente da República pauta crescimento do agronegócio