Natália Ponse, da redação
Em 2009, o Ministério Público Federal (MPF) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) processaram frigoríficos no Pará que compravam de fazendas embargadas por desmatamento ilegal e o MPF também ameaçou processar empresas, como supermercados e indústrias de couro, que continuassem a comprar desses frigoríficos. Na mesma época, o Greenpeace fez uma campanha global que alertou compradores de produtos dos frigoríficos que estavam associados ao desmatamento ilegal.
Frigoríficos, então, assinaram acordos (Termos de Ajustamento de Conduta – TAC) com o MPF e um compromisso público com o Greenpeace. O TAC é um compromisso legal que, se descumprido, autoriza o MPF a executar as sanções sem necessidade de intervenção judicial. Os frigoríficos signatários do TAC se comprometeram a só comprar de fazendas livres de desmatamentos após 2009, fora da lista de trabalho análogo a escravo do Ministério do Trabalho, registradas no Cadastro Ambiental Rural (o CAR reúne um mapa da fazenda e informações do detentor do imóvel e serve como carteira de identidade da fazenda) e que não estejam em Áreas Protegidas. Depois, outros frigoríficos assinaram TAC em outros Estados da Amazônia, criando a expectativa de que esse tipo de acordo pode ser um instrumento promissor contra o desmatamento.
Para avaliar se os frigoríficos, de fato, podem contribuir para zerar o desmatamento na região, pesquisadores da Universidade de Wisconsin-Madison, dos Estados Unidos, da ONG norte-americana Federação Nacional da Vida Selvagem e da ONG brasileira Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) realizaram um estudo a campo chamado de “Os frigoríficos vão ajudar a zerar o desmatamento da Amazônia?”, disponível on-line.
“Desde 2009, os frigoríficos que compram gado da Amazônia têm sido pressionados a assinarem acordos e compromissos em prol de uma cadeia livre de desmatamento. Hoje, temos a maior parte da capacidade de abate instalada na Amazônia vinculada a algum acordo contra o desmatamento”, afirma a analista do Instituto Centro Vida (Cuiabá/MT) e uma das especialista que contribuíram com o estudo, Ana Paula Valdiones.
De acordo com ela, parte dessas empresas tem implementado procedimentos e sistemas de monitoramento de seus fornecedores, mas ainda há um caminho a percorrer. “Há desafios associados à ampliação e consolidação desses acordos para que o setor tenha uma contribuição efetiva na redução do desmatamento na Amazônia brasileira”, diz e complementa explicando que são desafios que envolvem o monitoramento das fazendas indiretas (fazendas fornecedoras de bezerros, por exemplo), conseguir o comprometimento dos demais frigoríficos para minimizar os vazamentos e conter os mecanismos de lavagem.
Na época (2016), o estudo apontou 128 plantas frigoríficas ativas na Amazônia Legal, das quais 63 assinaram Temo de Ajustamento de Conduta junto ao Ministério Público Federal, se comprometendo a só comprar gado de fazendas livre de desmatamento ilegal após 2009 – que estivessem fora da lista do Ministério do Trabalho de empreendimentos com trabalho análogo à escravo, dentre outros critérios.
“Muitas empresas estão implementando procedimentos e sistemas de verificação de compras, buscando, com isso, atender aos compromissos contra o desmatamento na cadeia da pecuária. Contudo, como demonstraram os resultados das auditorias realizadas no âmbito do TAC da Carne no Pará, ainda existe uma quantidade significativa de compras de gado com indícios de que vieram de fazendas onde houve desmatamento ilegal”, pondera a profissional.
De fato o trabalho é árduo. Mudar a realidade de um setor com o tamanho e a diversidade que encontramos na pecuária não é fácil, não há receita. A solução, de acordo com a coordenadora Executiva do Grupo de Trabalho da Pecuária Sustentável (GTPS), Beatriz Domeniconi, passa pela adoção de diversas ferramentas e práticas que devem ser perenes.
A especialista do GTPS cita o próprio grupo como uma das reações do mercado para debater, entender e mudar os comportamentos até então adotados pelos diferentes elos da cadeia. As principais linhas adotadas pelo grupo, no intuito de promover o desenvolvimento sustentável da pecuária – ou seja, manter ou aumentar a capacidade produtiva do País sem degradar o meio ambiente, ou até mesmo recuperando áreas e restaurando biodiversidade e qualidade de solos – foram:
- Articulação da cadeia de valor (aumentar o diálogo e o conhecimento do que vinha sendo desenvolvido nos diferentes segmentos);
- Organização e disseminação de informações sobre temas de interesse para a pecuária (promoção de debate);
- Promoção da melhoria contínua (ferramentas e orientação para apoio à evolução contínua na adoção de boas práticas de produção.
Diversos segmentos da cadeia de valor passaram a assumir compromissos públicos e comerciais com o objetivo de promover melhores práticas de produção, processamento e comercialização dos produtos da pecuária. “Assim como outros elos da cadeia, os frigoríficos têm implementado sistemas de monitoramento e controle da origem dos animais – matéria prima da indústria. Os protocolos de cada indústria se baseiam em diversos critérios sociais, ambientais e de qualidade dos animais entregues”, complementa Beatriz Domeniconi.
A porta-voz do GTPS ainda menciona que, além de seus protocolos voluntários, grande parte das indústrias frigoríficas do Brasil seguem o TAC assinado em 2009: “Além dos protocolos para aquisição de animais, muito tem sido feito para aumentar o acesso dos produtores às informações com relação à adoção de boas práticas e à melhoria contínua.
Um fato que deve ser considerado prioridade para a realidade brasileira é a necessidade de adoção de medidas para a recuperação e para o bom manejo das áreas de pastagens brasileiras. Domeniconi explica: a pecuária tropical tem imenso potencial de produção e um papel importante a ser desempenhado na mitigação das emissões de gases de efeito estufa. Gramíneas tropicais são eficientes captadoras de carbono da atmosfera e da fixação em forma de matéria orgânica no solo. “Dessa forma, talvez, o melhor caminho para deixarmos definitivamente de sermos os vilões da história, seria promover trabalhos coordenados para que um percentual significativo das nossas pastagens fosse recuperado”, finaliza.