Maurício Antônio Lopes, autor do artigo, é pesquisador da Embrapa
Há 30 anos, o astrônomo Carl Sagan já nos advertia sobre os riscos da ignorância científica, alertando que “vivemos em uma sociedade absolutamente dependente do conhecimento, na qual quase ninguém entende o que é ciência e tecnologia, o que é uma receita clara para o desastre”. Se estivesse vivo, Carl Sagan estaria certamente desapontado por não termos feito muito progresso na superação do perigo que antecipou. O movimento contra a vacinação – uma das maiores conquistas da saúde pública no século 20 – é o melhor exemplo da desinformação que ganha força nas redes sociais, trazendo de volta riscos considerados já superados e comprometendo a credibilidade da ciência, em momento em que a sociedade se mostra cada vez mais dependente de conhecimento.
À desinformação, se somam manchetes que alertam sobre problemas de controle de qualidade da ciência, com crescente publicação de resultados científicos que não podem ser reproduzidos ou, pior, com evidências de direcionamento de prioridades e até de resultados, de acordo com o interesse de financiadores. Infelizmente, muitos cientistas e instituições sucumbem às pressões do mercado, produzindo resultados mais norteados pelo poder econômico que pelo interesse da sociedade. É preciso reconhecer que, em resposta à competição às vezes extrema no mundo acadêmico, pesquisadores têm sido premidos a publicar a qualquer custo, o que acaba por alimentar as distorções descritas.
Segundo pesquisa da Universidade de Ottawa, no Canadá, em 2009 o mundo ultrapassou a marca de 50 milhões de artigos científicos publicados desde 1665, e aproximadamente 2,5 milhões de novos artigos são publicados a cada ano. O número de cientistas ativos está aumentando a uma taxa de aproximadamente 4-5% ao ano. Esse crescimento acentua ainda mais a necessidade de atenção com a qualidade e a ética na ciência. É premente a necessidade de se construir e disseminar narrativas que explicitem de maneira clara e acessível a importância vital da ciência para a sociedade, além de implementar ações que coíbam a erosão da sua qualidade, cobrando mais responsabilidade por relevância e replicabilidade, além de mais colaboração que garanta compartilhamento e robustez dos dados e conclusões produzidos pelos cientistas.
Entre as instituições acadêmicas, a Embrapa ocupa o 8º lugar na produção de artigos cientifícos (Foto: reprodução)
Nesse momento de intensa disseminação de fake newse absurdos questionamentos de fundamentos científicos amplamente comprovados e consagrados, é preciso ampliar a capacidade de comunicar ciência para o grande público, trazendo à luz seus inequívocos benefícios e sua essencialidade para o progresso da sociedade. Todo jovem precisa compreender como os cientistas responderam, por exemplo, à devastação causada pela epidemia de AIDS, nos anos 1980. Naqueles primeiros anos, os pacientes morriam meses após o diagnóstico, muitas vezes em agonia. Graças ao enorme acervo de conhecimento acumulado pela ciência, os pesquisadores conseguiram identificar o vírus, desenvolver testes de diagnóstico e criar drogas antivirais extremamente eficazes em curto espaço de tempo. Em meados dos anos 1990, terapias eficazes já estavam disponíveis, afastando o medo de uma epidemia global sem controle.
O Brasil jamais teria alcançado a posição de sétima economia do mundo não fosse o investimento feito em ciência, tecnologia e inovação, que lhe permitiu produzir alimentos a preços acessíveis para sua população e ainda exportar excedentes para todos os cantos do planeta. E a ciência brasileira nos permitiu produzir aeronaves sofisticadas, extrair petróleo das profundezas do mar, produzir uma matriz energética limpa baseada no uso do etanol combustível, realizar eleições de forma automatizada com resultados divulgados praticamente em tempo real, produzir políticas públicas complexas – como o Código Florestal, dentre muitos e muitos outros feitos.
Mais que em qualquer outro momento da história, o Brasil precisa cuidar com grande atenção da sua ciência. A falta de planejamento estratégico, de investimento e de formação de cientistas poderá nos arrastar para posições de menor importância no cenário mundial. Há uma clara reconfiguração nas cadeias de valor globais, cada vez mais intensivas em conhecimento, e o Brasil precisará elevar de forma substancial a complexidade e a produtividade da sua economia, o que só ocorrerá com grande investimento na formação de talentos e na inovação tecnológica. O país precisa também estar atento à rápida reconfiguração da globalização, com a movimentação de commodities e mercadorias ao redor do globo perdendo espaço para os fluxos de serviços, bens e ativos intangíveis, configurando cadeias de valor que beneficiam países que investem na geração de conhecimento e inovações.
Vários países se ajustam sabiamente à reconfiguração da economia global. O melhor exemplo é a China, que em 2018 passou os Estados Unidos como o maior país produtor de conhecimento científico no mundo, ficando a Índia, outro gigante asiático em ascensão, em terceiro lugar. O Brasil aparece em 12º lugar no ranking com investimentos em C&T que totalizam apenas 2% do investimento chinês. A postura desses países precisa nos inspirar a entrar no time das nações que estão apostando em inteligência estratégica, investimentos e políticas científicas e tecnológicas robustas e de longo prazo – possivelmente os únicos caminhos na direção de um futuro sustentável.
Fonte: Maurício Antônio Lopes, adaptado pela equipe Feed&Food.