Luma Bonvino, de São Paulo (SP)
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A abertura desenfreada de espaços como sinônimo de aumento de produtividade já é enfrentada com veemência por entidades de todo o mundo – com tratados internacionais, inclusive – que pressionam o produtor a investir em métodos de aumento de produção e, ao mesmo tempo, em passivos “não produtivos” de recuperação ambiental. Um ciclo negativo que tem início ao gestor do campo com a degradação das pastagens. Esse vilão que gera a sub utilização de recursos naturais e baixa geração de renda, traz como consequência a busca por utilização de novas áreas.
Entretanto, o Instituto Centro da Vida (Cuiabá/MT), por meio do Programa Novo Campo, vem com a proposta de ruptura dessa mentalidade. Tendo como parceiro o Grupo de Trabalho da Pecuária Sustentável (GTPS, São Paulo/SP), a iniciativa foi apresentada no último encontro do ano da entidade, aberto para indústria e líderes do setor, realizado na quarta-feira (07), na Mc Donald’s University (Barueri/SP).
Proveniente do piloto Pecuária Integrada de Baixo Carbono, que visava melhor utilizar os recursos naturais disponíveis com testes sob base tecnológica da Embrapa, nasceu o Programa Novo Campo, afim de obter escala comercial unindo sistema de monitoramento da produção e arranjo comercial. “O objetivo é promover a intensificação sustentável da pecuária, reduzir a pressão de novos desmatamentos e atender a demanda por carne com origem sustentável”, descreve o presidente do conselho-diretor do GTPS e coordenador da Iniciativa de Pecuária Sustentável do ICV, Francisco Beduschi Neto, que soma a isso o papel de monitorar e relatar parceiros e, assim, gerar o processo de comercialização de carne sustentável, realizando balanço de carbono.
Assim, foi revelado um cenário que basicamente almeja responder “como sair uma situação de alta emissão de carbono com baixa produtividade?”. O vilão é rapidamente indicado pelo diretor de Governança e Investimentos Pecsa, Laurent Micol: degradação de pastagens. Solução? Sequestro de carbono no solo, reforma das pastagens e eliminação das degradações. “A saída é intensificação sustentável, ou seja, uma gestão empresarial no negócio rural, com a utilização da técnica Embrapa e os indicadores de sustentabilidade do GTPS”, insere.
Concordando com esse caminho, o analista de Clima e Agricultura do Imaflora, Ciniro Costa Júnior, insere a importância de elencar as soluções tendo em vista um Brasil que está entre os “Top 10” emissores de gases de efeito estufa – sendo a agropecuária responsável por 15% das emissões nacionais – e, dentro da própria fatia agro, 65% na conta da pecuária de corte. “Esse fato motiva a traçar soluções para que esse cenário seja revertido, uma vez que esse setor é extremamente importante ao País – social e economicamente falando, considerando a ampliação de fronteiras e com a responsabilidade global do aumento da produção de demanda de carne, frisando que 40% do aumento esperado virá da região Amazônica”.
O Brasil tem cerca de 174 milhões de hectares de pastagens sendo que, entre 40 e 60 milhões delas possuem algum tipo de degradação. Por isso, a reforma para utilização mais eficiente das pastagens é apontada como um dos caminhos para equilibrar o aumento da produção, com a diminuição das emissões de gases e o desmatamento de novas áreas. A questão, no entanto, passa pelo desafio de custear essas mudanças. Segundo Laurent, a reforma de um hectare de pastagem custa, em média, R$ 3 mil reais. “É preciso encontrar mecanismos eficientes de financiamento e de compensação para promover as mudanças necessárias e, com isso, garantir a expansão dessa proposta”, comentou.
Para integrar essa transformação, Laurent enumera as passagens do projeto dentro das propriedades, como diagnóstico por mapeamento, planejamento da propriedade, infraestrutura de distribuição de água, suporte de suplementação, reforma de pastagens, chip de manejo e brinco SISBOV nos animais, enfim, aspectos importantes para exportação e essencial para monitorar eficiências e controlar ganho de peso, mais um aspecto que ajudará no ganho da produtividade e redução das emissões. Esse planejamento para gerar resultados, conforme apresentados no evento:
Impacto das intervenções do Programa Novo Campo
- Reduzir a idade média de abate de 44 para 30 meses para machos e de 24 meses para fêmeas;
- Aumentar a lotação animal de 1,2 UA/há para 1,6 UA/há, sendo que nas áreas intensificadas de cada fazenda, a lotação chegou a 2,7 UA/ha;
- Elevar a produtividade de 4,7@/ha/ano para 10,8 @/ha/ano, sendo que nas áreas intensificadas;
- Melhorar acabamento de carcaças, com abates que qualificaram 70% das carcaças como superiores;
- Aumentar a rentabilidade da propriedade de R$ 100,00/há para 680,00/há;
- Na comparação da fase piloto para extensão, nota-se 85% de aumento de produção de carne com previsão a 400% de elevação;
- Ainda sob comparativo, reformando 10% da área, obteve-se redução 25% de emissão ha (60% por carne produzida) rumo a 50% a emissão por ha (90% de carne produzida).
Para adentrar nessa realidade, porém, o produtor necessita preencher alguns critérios como Cadastro Ambiental, sem embargo do Sema-MT ou Ibama, não estar inserido na lista de trabalho escravo e desmatamento zero a partir de julho 2008. Esse último, em especial, questionado quanto ao contraponto de desmatamento ilegal e não zero.
“Temos um código onde ele não agradou nem produtores, nem ambientalistas, mas é uma regra que, por exemplo, no Bioma Amazônico preservação de 80% da área e no Bioma Cerrado 35% da área preservada. Mas, se o produtor tem uma área que possui esse ativo, ele tem vazão legal de abrir”, pontua o CEO da Acrimat, Francisco Manzi, exemplificando que, se em uma propriedade com apenas 10% de abertura, tem-se direito de mais 10, legalmente, levando em contato os demais critérios de proteção permanente, mata-ciliar e afins. “Essa é a diferença do desmatamento legal zero do desmatamento zero. Quando qualquer grupo levanta a bandeira que temos que combater o desmatamento, precisa frisar a palavra ilegal”, acrescenta. Dessa forma, Manzi diz o projeto Novo Campo exclui grande parcela dos produtores. “O Novo Campo pode ter suas regras próprias, mas, ele não é legalmente superior. Por isso, o GTPS não pode levantar uma bandeira que compara zero com ilegal zero”, diz o também membro da diretoria do GTPS que finaliza dizendo que, se o objetivo do GTPS é congregar, em primeira instância se deve primar a lei.
Francisco Beduschi afirma que o Grupo busca pelo consenso, quanto ao desmatamento, e que se apoia programas de desmatamento zero desde que haja compensação que tem direito de abrir área e não o fazem. Já o ICV, também na voz de Beduschi Neto, em um âmbito mais específico, tem o posicionamento de “um passo adiante” – com trabalho dedicado ao Mato Grosso – que, enquanto organização socioambiental , traz estudos dizendo que para atender a demanda por expansão agrícola e, ao mesmo tempo, a demanda por aumento produtivo de carne no Estado, não é necessário a abertura de áreas, por isso preza-se pela intensificação sustentável. “Por outro lado, concordamos sim com o direito do produtor de fazer o uso de suas áreas de abertura, sempre olhando para o lado legal”, cita e coloca como opção outros projetos de compensação.
“Essa, hoje é uma regra de mercado que tem que se seguir”, cita o diretor de Sustentabilidade da JBS, Márcio Nappo, indicando que discussões mais aprofundadas possam se seguir em um futuro. “O Mc Donald’s não compraria carne de área desmatada. Só compramos do Programa Novo Campo porque temos a garantia de uma área não desmatada. A grande discussão é olhar o Programa Novo Campo e ajudar a fortificar esse tipo de iniciativa e, em seguida, somar esforços para replicar com viabilidade”, adiciona o diretor de Sustentabilidade da Arcos Dourados, Leonardo Lima.