Luma Bonvino, Santa Helena de Goiás (GO)
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Internet das coisas (IoT), informação em nuvem, hardware, software, usabilidade, conectividade, rede wireless e design thinking. Por mais que não seja familiar essas são sim as novas palavras do dicionário do pecuarista. As tradicionais, como GPD (ganho de peso diário) e GMD (ganho médio diário), brete e curral continuam na lista, mas o vocabulário deve aumentar para o universo da pecuária de precisão.
Não é novidade que há muito o cenário da agropecuária deixou de ser um proprietário com bois de produtividade lenta para “salvar” rendimentos, em espécie de poupança. A tecnificação tornou-se obrigatoriedade. O produtor, agora mais novo, com 46,5 anos como aponta a pesquisa da Associação Brasileira de Pesquisa e Marketing Rural e Agronegócio (Abmra, São Paulo/SP) – 3,1% menor do que identificado no estudo anterior, de 2013 – e já conectado – sendo que 96% dos entrevistados possuem aparelho mobile – vem apostando em tecnologias e inovações. Mas, o que revela o CEO da Fazenda Santa Fé (Santa Helena de Goiás/GO), Pedro Merola, é que não era esperado o que a alemã Bosch (com sede no Brasil em Campinas/SP) vem propor ao setor.
A gestão e, por consequência, mensuração da produtividade são duas demandas que afetam a atividade. “O controle da fazenda é o principal desafio da cadeia e o ganho de peso é um dos pontos para melhorar essa gestão. O controle de dados é um item que deve auxiliar o produtor”, sintetiza o presidente da Associação Nacional da Pecuária Intensiva (Assocon, São Paulo/SP), Alberto Pessina, que adiciona: “É a tecnologia que pode mudar um conceito e favorecer a informação fluída na cadeia”.
Identificando a problemática e fugindo dos modos atuais em que o peso é estimado de acordo com uma média entre várias cabeças ou individualmente por meio de pesagens pontuais no curral de manejo, por vezes impedindo a repetibilidade, a empresa reconhecida por seus sensores, softwares e serviços gera um novo modelo de negócio, agora dentro da porteira.
De maneira muito simplificada, a inovação – que soma 18 patentes – é um sistema cuja função é medir em tempo real o peso do gado no processo de engorda e, com esse processo de agilidade, fazer correções necessárias junto ao animal, seja na nutrição ou sanidade, por exemplo. Daí a inserção de IoT e a retomada de todas palavras citadas acima, que são inseridas no processo para se chegar à correta mensuração em uma tecnologia exclusivamente brasileira. “Em 2011 começamos atuar nos segmentos ‘fora da caixa’, queríamos dar oportunidade às regiões que tem demandas específicas e buscar soluções Bosch para inovar”, inicia o presidente da empresa na América Latina, Besaliel Botelho. Segundo conta, a companhia escolheu três mercados emergentes – China, América Latina e Índia. “Criamos grupos específicos, liderei esse processo no sentido de inserir profissionais – engenheiros, sociólogos, psicólogos e outros – para identificar o que a região necessita. O agro foi identificado como um dos terrenos férteis para oportunidades. Nele, identificamos dores que podemos resolver via tecnologias. Soluções não somente com produto, mas serviços”, retrata.
Com experiência em diferentes mercados – como ferramentas e autos –, mas “debutando” no agro, Botelho indica que o conhecimento da instituição no negócio em si é relativamente baixo. Por outro lado, por meio do design thinking conseguiu-se encontrar solução para a dor dos especialistas no assunto, os pecuaristas. “Estamos entrando com tecnologia para dar maior precisão”, resume e anuncia que ainda mais dores poderão ser sanadas nesse processo.
Para desenvolver o projeto, robustez e tecnologias foram necessárias, porém, um critério pouco explorado no segmento ganha notoriedade: a usabilidade. “Ela percorre todo o processo quando se trata do desenvolvimento ao redor do usuário. O primeiro deles é o boi. Com isso, nos preocupamos com bem-estar animal, fizemos estudos para avaliar se havia redução no consumo de água dos animais, implicando na produtividade, analisando o formato adequado da cerca e outros critérios de comportamento”, explica o gerente de Negócios Pecuária, Gustavo Ferro, que completa: “Quando se segrega os animais, os obrigando a passar no sistema, se cria duas áreas de fuga e, em uma briga, o dominante manda o dominado para outro lado e isso acalma os dois animais, gerando menos poeira e lama. O formato da cerca diagonal – em contrapartida do horizontal, por exemplo – mostrou mais vantagem, com os animais passando com maior facilidade”, exemplifica quanto as tomadas de decisões para um sistema mais bem preparado ao mercado.
O que é? O sistema funciona, inicialmente, na concepção no lugar do confinamento, separando água e nutrição. Para alcançar esses itens de subsistência, os bois precisam atravessar a plataforma – já identificados com a tag desenvolvida pela Bosch. Na passagem, sensores de pesagem enviam sinais para a plataforma, dotada de um algoritmo que interpreta os dados. O processo é realizado em toda pesagem – estimada em oito vezes ao dia – que somam informações a fim de gerar dados mais consolidados. Os dados, disponíveis em redes, estarão visíveis e sintetizados em um aplicativo, desktop e mobile (Foto:divulgação)
Nesse processo, que envolveu mais de 30 protótipos, o usuário pecuarista também teve destaque: “Olhamos quais eram os elementos para que fosse um desenvolvimento factível de colocar no campo. Desenvolvemos do mais simples para o mais complexo, com muito teste – materiais, formatos, conceitos e tecnologia”, comenta. Para tanto, o aplicativo que exibe o resultado das informações contou com mais de 50 entrevistas – do gestor ao peão – para entregar essa inteligência da forma mais amigável possível. As ações culminaram em um ambiente de acesso exclusivo do cliente Bosch onde consegue ter a visão completa da fazenda e os resultados por animal, em tempo real. “Toda a configuração é personalizada, onde o pecuarista pode adequar alertas desde ganho de peso até período das chuvas, respondendo questões como ‘Quais animais estão ganhando 1kg por dia?’, podendo ser visualizado rapidamente”, insere.
E já que o assunto não é só tecnologia, mas também vocabulário, o termo ganho de peso dinâmico deve ser inserido. O nome, que também se transformou em marca registrada pela Bosch, reflete a agilidade com que as perguntas das fazendas serão respondidas. Isso, porque GPD, por exemplo, poderá ser visto por animal, durante seu dia – uma vez que esse número oscila nos períodos dos dias e das dietas, por exemplo. Conclusão: mais informações individualizadas coletadas, gerando maior número de dados ao sistema, tornando-o cada vez mais “inteligente” na hora de reportar a informação, princípios gerais da IoT.
Toda a inovação, dedicada ao País que deve ser o maior responsável por alimentar o mundo em 2050, com 10 bilhões de bocas, não só foi pensada como também realizada “made in Brazil”. Ferro conta que, no modelo de prototipagem rápida, o primeiro sistema foi montado com todas as peças disponíveis no mercado, mas, ao serem aplicadas em condições severas do campo, tudo teve que ser desenvolvido pela companhia. “A ideia inicial era elaborar somente o necessário. Assim, utilizamos placa de leitura do mercado, antena, barra etc. O stress a campo mostrou que dessa forma não funcionaria e assim desenvolvemos todos os materiais”, afirma e adiciona que isso aumentou o nível de qualidade e compreensão do produto, garantindo dez anos de durabilidade do sistema, associado ao pacote de manutenção.
Porém, em um negócio onde o que importa – e onde está seu maior gargalo – são números, palavras bonitas não bastam e o pecuarista quer ter em seu dicionário também os ganhos reais.
Foi pensando nisso que o piloto do projeto foi instalado na Fazenda Santa Fé. Em sua quarta geração, a propriedade possui 3,8 mil hectares, sendo 80 de confinamento, com capacidade estática de 40 mil animais. Com uma política de alta performance e menor custo possível, o negócio encontrou seu caminho de sustentabilidade e tem 13 anos ininterruptos de confinamento. No último ano, o local contabilizou 73 mil bois – sendo 70 mil de parceiros. Para 2017, considerando os percalços da atividade, a meta é de 60 mil confinados.
Pedro Merola tem como norte do negócio, que passa pela quarta geração da família, a alta produtividade (Foto: feed&food)
Sob o comando de Pedro Merola, a fazenda teve a tecnologia implantada em 22 dos 244 currais. Ele destaca que, mesmo fazendo acompanhamento diário nas baias a fim de identificar o melhor momento de abate dos animais, após a implementação tecnológica descobriu que acertava em apenas 2% dos casos, por isso, acredita que as informações potencializarão o negócio pecuário. “Em relação aos ganhos de informação o sistema revelou que ‘Em casos de até 30 dias: retirar bois de baixa performance’, 6% dos bois foram mantidos sem produtividade, o que representaria R$ 35,23 a mais por cabeça. No caso de bois que saíram cedo, com alto rendimento e deveriam ter ficado maior tempo no confinamento, teve um total de 65% dos animais, com possível ganho de R$ 53,36 por cabeça, se os tivesse mantido. No mesmo lote avaliado, os bois que saíram tarde com baixo rendimento e deveriam ter sido retirados antes (27%), ganhos de R$ 22,45 por cabeça. E, com bois doentes (0,1%) onde era necessário tratar para evitar o prejuízo, R$ 131,25 por cabeça. Em suma, erros estratégicos em 98% dos casos, o que significa R$ 43,12 por cabeça”, descreve.
De acordo com o CEO, a tecnologia vai fazer com que o pecuarista possa expandir seu negócio, porque por vezes ele se preocupa mais com coisas externas do que internas sendo que a única coisa que ele tem que fazer é produzir. “Produtor tem que produzir. Claro que câmbio e consumo de carne, por exemplo, são preocupações, mas o único fator que conseguimos interferir é a nossa produção. Isso será possível já que a tecnologia é mais do que ela é, é o que ela traz”, opina.
Merola discorre que todas as decisões tomadas das fazendas são baseadas nas ferramentas passadas. Ou seja, na hora do abate e avaliação de carcaça, em qualquer alteração se elucidava e sugestionava que poderia ter sido por dieta x ou clima y, vendo o negócio pelo retrovisor. Com o desenvolvimento, será factível “analisar o presente com a ferramenta do presente. E isso vai mudar completamente o jogo”, declara.
As informações talvez possam confrontar a literatura existente. Os cruzamentos influenciam na performance? Quanto? A dieta está elaborada de forma correta? Qual o motivo da curva de consumo? Devo ter mais tratos ao dia? Qual o melhor aproveitamento da mão de obra? Qual o ganho logístico? Essas são algumas das próximas perguntas que devem surgir com a tecnologia, em um futuro próximo. Mas, essa, só uma pessoa poderá responder e conduzir os caminhos da produtividade. O profissional, que por definição do dicionário é aquele que é especialista em pecuária: o pecuarista – e esse não mais do futuro, mas do presente.