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Produzir mais é garantia de segurança alimentar?

Por Gustavo Raphael de Oliveira, biólogo, mestre em Sustentabilidade na Gestão Ambiental e especialista em Gerenciamento Ambiental
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Recentemente li alguns artigos sobre sustentabilidade no setor do agronegócio, todos apontando melhoramentos, aumento na produtividade e redução de emissões de gases de efeito estufa. Os avanços foram alcançados com pesquisa e desenvolvimento tecnológico, objetivando a sustentabilidade do setor. Acredito que todas as ideias de viés sustentável são louváveis, porém todas podem ser analisadas de forma crítica, com o intuito de se buscar afinar o entendimento sobre sustentabilidade e fazer com que esse conceito seja mais palpável para a população e menos uma utopia.

Desde o delineamento inicial do termo sustentabilidade na Conferência das Nações Unidas Sobre o Meio Ambiente Humano, realizada em Estocolmo no ano de 1972, há profunda reflexão sobre sua ideia. Como aponta o pesquisador Ademar Ribeiro Romeiro, para ser sustentável, o desenvolvimento dever ser economicamente sustentado, socialmente desejável e ecologicamente prudente. De tal forma, é muito difundido a perspectiva da economia verde, o estágio mais avançado do desenvolvimento sustentável, onde se defende que a dicotomização entre crescimento econômico e meio ambiente é superada pelo avanço de novas tecnologias.

Gustavo Raphael de Oliveira é biólogo, mestre em Sustentabilidade na Gestão Ambiental e especialista em Gerenciamento Ambiental (Foto: divulgação)

Uma das constantes preocupações difundida pelo agronegócio é com a questão da segurança alimentar, muito pertinente quando se observa as projeções da ONU para a década de 2080, onde é previsto que a população mundial atingirá o número de 10,3 bilhões de pessoas. Entretanto, estamos enfrentando gravíssimos problemas relacionados a fome neste exato momento. O Relatório do Índice de Desperdício de Alimentos do PNUMA divulgado neste ano, revela que mais de 1 bilhão de toneladas de alimento são perdidas diariamente, valor superior a estimativa da população que passa fome, mais de 780 milhões de pessoas no mundo.

Além dos impactos sociais, esses desperdícios geram impactos ambientais, uma vez que proporcionaram de 8% a 10% das emissões de gases de efeito estufa. No âmbito econômico também há implicações, visto que a quantidade de alimentos perdidos é produzida em quase um terço das áreas agrícolas do mundo, ocasionando um prejuízo de aproximadamente US$ 1 trilhão na economia global.

Para tanto, vale a reflexão para a seguinte pergunta: O aumento na produção de alimento é a real necessidade para se garantir maior segurança alimentar para a população mundial? O setor do agronegócio busca responder essa questão investindo na sustentabilidade financeira da produção, onde se propõe produzir mais alimentos, utilizando menos recursos, redução de tempo e com melhor qualidade, fazendo uso de novas tecnologias. Contudo, apesar da tecnologia ser indispensável, ela também apresenta seus limites, não respondendo adequadamente as questões de desigualdade na distribuição e aplicação de recursos materiais, energético e bióticos na economia mundial, como aponta o pesquisador Ricardo Abramovay.

As professoras pesquisadoras Sylvia Macchione Saes e Sílvia Helena Galvão de Miranda apresentam, a partir de pesquisas, que o Brasil nos últimos 20 anos apresentou um salto na produção de diversas culturas e criação animal. Todavia, isso não equalizou o problema da fome no país, sendo o problema da distribuição um fator preponderante.

Investimentos em tecnologias no setor são importantes, mas também o desenvolvimento de mais áreas de agrofloresta, incentivo a agricultura familiar e políticas públicas de transferência de renda e outras que melhorem a distribuição de alimentos, diminuindo a quantidade que é desperdiçada, se faz necessário. Como defende Ailton Krenak, em seu livro intitulado “A Vida Não é Útil”, talvez realmente tenhamos que parar de nos desenvolver e começar a nos envolver.

Viver a sustentabilidade não é fazer de conta, pois enquanto alguns setores enxergam a sustentabilidade como monetizável, como a natureza coisificada criticada por Enrique Leff, a sua real eficácia se perde no vazio e derrete sob o calor extremo que estamos vivendo.

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