A carne é forte e o status sanitário brasileiro também. O segundo País exportador de carne bovina do mundo enfrentou recentemente um de seus piores momentos (leia mais aqui) no que se refere à imagem verde e amarela no cenário mundial. No entanto, as reações do governo brasileiro à Operação Carne Fraca, segundo confirma o Instituto de Tecnologia de Alimentos (ITAL, Campinas/SP), foram cruciais para que informações equivocadas pudessem ser esclarecidas e para que os países importadores, assim como os consumidores, continuassem confiando na segurança dos produtos.
O momento, para a pesquisadora do ITAL, Renata Bromberg, propõe reflexão sobre as oportunidades para a melhoria do sistema de produção e inspeção da cadeia de carnes brasileira. “Vale ressaltar que vários países importadores estão realizando ações que visam comprovar a segurança de nossos produtos e isso certamente levará a uma confirmação da qualidade dos mesmos”, destaca.
Uma das certificações da proteína animal brasileira é o status de livre de febre aftosa com vacinação em quase todo o território. Para continuar garantindo esse status, uma parceria mapeou o risco de reintrodução da doença na fronteira do Brasil com o Paraguai, após o surto ocorrido em 2005. O trabalho de modelagem matemática foi realizado pela pesquisadora Thaís Basso Amaral da Embrapa Gado de Corte (Campo Grande/MS), com o apoio de duas especialistas de instituições francesas: Valery Gond, do Centro de Cooperação Internacional em Pesquisa Agronômica para o Desenvolvimento (Cirad), e Annelise Tran da Maison de Sensoriamento Remoto em Montpellier.
Santa Catarina até então é o único Estado livre da enfermidade sem o uso de vacinação. O setor debate junto a órgãos federais a retirada da vacinação em todo o território brasileiro já que, além da vitória de décadas sem a doença, estudos tem demonstrado que não temos o vírus circulante. De acordo com Thaís Amaral, os resultados obtidos em sua pesquisa mostram que o risco de reintrodução da Febre Aftosa no Mato Grosso do Sul (que completou em janeiro 21 anos sem febre aftosa, além de deter 90% do rebanho imunizado) são baixos.
Porém, mesmo sendo baixos, existe uma heterogeneidade espacial na distribuição deste risco, onde algumas áreas estudadas apresentaram mais riscos que outras. “Esta diferença se deve às características apresentadas por cada região. Algumas se localizam mais próximas da fronteira, possuem fazendas com maior mobilidade de animais, ou com a combinação destes fatores que foram apontados pelos especialistas como fatores de risco para a reintrodução do vírus da aftosa”, explica a profissional.
Ainda neste viés muitos associam a suspenção da vacina com o aumento do risco dessa terrível enfermidade voltar ao rebanho. Para o diretor Técnico da Associação dos Criadores do Mato Grosso (Acrimat, Cuiabá/MT), Francisco Manzi, cabe a todas as entidades e órgãos de defesa encontrar o momento oportuno para que se possa parar de vacinar. “Para que essa atitude seja tomada, uma ação conjunta com vigilância forte precisa ser incrementada para que o risco de retorno da enfermidade seja o menor possível. Antes de se marcar uma data exata para se tomar essa atitude todo o setor deverá ser envolvido, tanto os produtores representados pelas entidades como o governo federal”, pontua o executivo.
Como a febre aftosa é uma doença transfronteiriça, os países ou zonas que alcançam status de livre não estão protegidos contra os riscos de um país vizinho infectado. Por esta razão, as regiões fronteiriças brasileiras, não só com o Paraguai, mas também com outros países da América do Sul, em que status sanitário é inferior, são áreas sensíveis onde existe a necessidade de desenvolver e implementar estratégias de erradicação regionais que envolvam os demais países. Thaís Amaral complementa que uma ferramenta como o mapeamento das fronteiras pode servir de apoio, mas não deve ser a única a garantir que o risco de reintrodução do vírus em uma determinada. “Na realidade, para que isso aconteça, uma série de medidas precisam ser tomadas e essa seria apenas uma delas”, completa.
Renata Bromberg acredita que o momento propõe reflexão sobre as oportunidades para a melhoria do sistema de produção e inspeção da cadeia de carnes (Foto: divulgação)
O Brasil é detentor do segundo maior rebanho bovino do mundo, sendo o líder em exportações, enviando cerca de 20% da produção a diversos destinos. Conforme apontou a reportagem de capa da edição nº 120 da revista feed&food, para manter o alto nível de confiabilidade no cenário mundial, é possível que a vacinação continue mesmo após 2018, mas em nova versão: retirando o vírus “C3” (inativado) da composição e a redução da dose de 5ml para 2ml, sem perder parâmetro de qualidade. “Esta nova vacina manterá a mesma qualidade da atual, além de ser superior em praticidade, ou seja, aplicabilidade e seringabilidade”, explana o vice-presidente executivo do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Saúde Animal (Sindan, São Paulo/SP) e coordenador dos temas relacionados à febre aftosa na entidade, Emílio Carlos Salani, apontando ainda que este seria um produto com mais tecnologia embargada.
Para este ano, a pesquisadora em Sanidade Animal da Embrapa Gado de Corte, Vanessa Felipe de Souza, apresenta suas perspectivas: “A campanha prevista para 2017 deve manter a maioria das exigências do ano anterior. É fundamental não relaxar no cumprimento das orientações preconizadas pelo MAPA, uma vez que o controle da doença está amparado em ações sincronizadas entre diferentes representantes da cadeia de bovinocultura. Isso equivale a dizer que, se uma das engrenagens estiver desalinhada, todo o sistema pode ser prejudicado. Assim, espera-se que a cobertura vacinal em 2017 seja, no mínimo, idêntica ao ano de 2016, mas, preferencialmente superior”. A divisão de Febre Aftosa do Departamento de Saúde Animal do MAPA completa: “A demanda oficial de vacinação projetada para 2017 é de aproximadamente 357 milhões de doses, sendo 214.5 milhões para a primeira etapa e 143,1 para a segunda. A meta estimada de valores globais de cobertura vacinal projetada para 2017 deve ser superior a 90%”.
Em relação à imunização, Emílio Salani recomenda a vacinação total já em maio e novamente em novembro. “Como temos que trazer os animais para os currais para a realização do programa sanitário, como a aplicação de endectocidas e outras vacinas, o correto seria a vacinação total, para nos protegermos ao máximo, visto que, em termos de biologia, existem dois pilares: não há risco zero, nem 100% de proteção”. De acordo com Salani, “retirar a vacinação significa perder tudo o que conquistamos nas últimas décadas”.
Fonte: Redação feed&food.