Camila Santos | camila@dc7comunica.com.br
Desde 2022, o governo de Rondônia, por meio da Secretaria de Estado do Desenvolvimento Ambiental (SEDAM), tem enfrentado um sério desafio ambiental: a proliferação do pirarucu fora de sua área natural. Essa espécie, normalmente associada ao status de ameaça de extinção, vem causando desequilíbrio nos ecossistemas locais. Segundo o biólogo Leonardo Silva Pereira, auditor da SEDAM, o impacto da presença desse peixe nas águas de Rondônia é evidente, especialmente entre os pescadores extrativistas, que relatam quedas expressivas na captura de espécies nativas.
“O pirarucu é um predador topo de cadeia e, ao invadir novas áreas, ele se alimenta de espécies da ictiofauna nativa (conjunto das espécies de peixes que existem numa determinada região biogeográfica). Temos relatos de predação de filhotes de jacaré, tracajá e até mesmo de aves como o pato-do-mato”, destaca Leonardo. Ele ressalta que o tamanho do peixe — que pode chegar a 3 metros de comprimento e pesar mais de 200 quilos — somado à falta de predadores naturais, aumenta seu impacto nas áreas invadidas. “Estamos lidando com um verdadeiro ‘leão’ dos rios”, compara.
O surgimento do pirarucu em Rondônia não foi natural. Segundo Leonardo, a presença do peixe é atribuída à ação de terceiros, que introduziram a espécie em regiões onde não havia predadores capazes de controlá-la. Isso resultou em uma superpopulação do pirarucu, que agora ameaça a pesca e a biodiversidade da região. “A comunidade quilombola de Pedras Negras, localizada em São Francisco do Guaporé(RO), por exemplo, que depende da pesca esportiva, viu sua produtividade cair drasticamente após a chegada do pirarucu. O que antes era capturado em uma manhã, agora leva até sete dias para ser pescado”, relata.
Para combater essa ameaça, a SEDAM iniciou uma série de iniciativas, incluindo a pesca experimental do pirarucu. “Estamos trabalhando junto com as comunidades tradicionais, como quilombolas e pescadores extrativistas, para retirar o excesso da espécie e, ao mesmo tempo, estudar suas características biológicas”, explica Cassio Vanei Neves Silva, também auditor da Secretaria de Estado do Desenvolvimento Ambiental de Rondônia. O objetivo é compreender melhor o comportamento do pirarucu e encontrar soluções sustentáveis para seu controle.
Além de mitigar o impacto ambiental, a retirada do pirarucu tem um potencial econômico significativo. “Apesar dos prejuízos que o pirarucu tem causado, ele também abre oportunidades”, afirma Cassio. “A exportação desse peixe pode beneficiar comunidades quilombolas, que são protegidas pela legislação federal. Essas populações tradicionais, como quilombolas e indígenas, podem encontrar uma fonte de renda com a comercialização do pirarucu e seus derivados. Praticamente tudo no pirarucu pode ser aproveitado, desde a carne até o couro.”
Leonardo explica que a renda gerada pela pesca experimental tem sido revertida diretamente para as comunidades locais, o que fortalece tanto a economia dessas populações quanto as iniciativas de conservação ambiental. “Estamos recebendo apoio do governo do estado de Rondônia, o que é essencial para que possamos desenvolver essa atividade de forma organizada e sustentável”, destaca o biólogo.
Além disso, o projeto tem atraído o interesse do mercado internacional. “O mercado externo preza muito por selos de qualidade e segurança alimentar. Estamos inseridos na Amazônia, trabalhando com comunidades tradicionais, e os testes de metilmercúrio realizados estão totalmente dentro dos limites permitidos, o que reforça a viabilidade dessa cadeia produtiva”, afirma e destaca que o trabalho genético sobre o pirarucu, que deve ser concluído no início do próximo ano, também ajudará a consolidar a exploração comercial dessa espécie de forma sustentável e ética.
De acordo com os auditores, a problemática do pirarucu não é isolada em Rondônia. O processo de dispersão da espécie se intensificou após sua inclusão na lista de espécies ameaçadas de extinção pelo Ibama. Esse status incentivou esforços para a recuperação de suas populações nativas, principalmente no Amazonas, onde o Instituto Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, localizado em Tefé (AM), desenvolveu um trabalho exemplar que conseguiu reverter a situação de ameaça para o pirarucu naquela região. No entanto, ao mesmo tempo que a espécie era protegida em seu habitat natural, também foram iniciados projetos de criação em cativeiro em outras regiões do Brasil.
“Esses esforços, inclusive no Nordeste, resultaram na proliferação do pirarucu em ambientes fora de sua área de origem”, observa Leonardo. “Hoje, encontramos a espécie em locais como Minas Gerais, São Paulo e até no Nordeste, sempre em ambientes lênticos — de águas calmas — que são ideais para sua reprodução. O surgimento de usinas na divisa de Minas com São Paulo criou um cenário perfeito para a colonização e, eventualmente, a invasão desses peixes.”
Ele aponta que a introdução descontrolada do pirarucu em novas áreas muitas vezes é aumentada pelos tanques de aquicultura. “Em Rondônia, por exemplo, temos um regime de seis meses de chuvas intensas e seis meses de seca. Durante o período chuvoso, tanques de piscicultura frequentemente transbordam, permitindo que os pirarucus escapem para os rios”, explica Leonardo.
O grande problema dessa invasão, segundo o biólogo, é o impacto sobre as espécies nativas e a subsistência das populações tradicionais. “Os berçários naturais de espécies nativas estão sendo invadidos pelos pirarucus, que acabam se alimentando de peixes de interesse comercial, cultural e ecológico”, alerta Leonardo. “Todos os peixes que capturei desde 2018, quando abri o estômago deles, estavam repletos de espécies nativas de valor econômico e cultural. O pirarucu está literalmente comendo nossa biodiversidade”, alerta.
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