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Balanço da primeira semana COP 28: um olhar entre as cortinas de fumaça 

Renato Roscoe é diretor do Instituto Taquari Vivo, organização associada da Mesa Brasileira da Pecuária Sustentável 
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Chegamos à metade da COP28 com alguns avanços, mas muita coisa ainda pela frente. O que se pode trazer de mais relevante até o momento, sem dúvidas, é a consolidação do fundo de perdas e danos. Já são mais de 500 milhões de dólares alocados. Pouco ainda, mas um passo importante. Mas e o resto? Tem cortina de fumaça no ar? 

Primeiro vamos falar um pouco sobre o significado do fundo. Há algo mais importante que o fato em si de países desenvolvidos colocarem a mão no bolso. De certa forma, quando admitem que os países mais pobres devem ser compensados por suas perdas e danos, causados pelas mudanças do clima, assumem uma responsabilidade histórica. Os países mais ricos tiveram seu crescimento econômico lastreado fortemente nas emissões de gases de efeito estufa. Eles são os responsáveis pelo acumulando desses gases na atmosfera, desde a revolução industrial. Se as mudanças climáticas estão acontecendo agora e colocando em risco populações vulneráveis em países mais pobres, nada mais justo que os recursos para lidar com essas perdas e danos venham dos países que mais se beneficiaram com suas emissões históricas.  

Passado esse primeiro momento de euforia, importante um olhar para os objetivos principais das COPs. Essa é a COP do balanço global das emissões (Global Stocktake). É o momento de avaliar o progresso alcançado na mitigação do aquecimento global desde o Acordo de Paris. As discussões tiveram início na primeira semana e vão continuar na próxima. As expectativas não são boas. Especialistas entendem que estamos longe da trajetória necessária para seja mantido o aumento de temperatura de 1,5oC até o final do século. Com o ritmo das emissões atuais, estamos beirando atingir 2,6oC nesse período. A discussão do balanço global deve oficializar a necessidade de mais esforços de todos os países para que possamos atingir a meta do Acordo de Paris, algo que parece ser um consenso nos corredores da COP. 

Falando no “sentimento” ao circular pelos corredores, minha impressão é que cada vez mais distanciamos do eixo central do que realmente precisa ser feito. Há uma proliferação de temas que tomam tempo e parecem jogar uma cortina de fumaça no que efetivamente interessa. Nada mudou desde os anos noventa! Continuamos precisando visceralmente da redução significativa da queima de combustíveis fósseis para ter algum sucesso no combate às mudanças do clima. Carvão mineral, gás, petróleo e seus derivados continuam sendo responsáveis por praticamente três quartos das emissões globais. Proporções muito próximas das que se viam nos primeiros relatórios do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas) da década de 90! A diferença é que, em termos absolutos, continuamos aumentando o ritmo das emissões.  

A cortina de fumaça das chaminés das termoelétricas colocam o desmatamento como o grande vilão do clima. E, realmente, ninguém em sã consciência pode achar normal o ritmo de desmatamento de florestas tropicais e savanas florestadas. Perdas de biodiversidade e efeitos nos regimes hidrológicos são razões suficientes para que se faça de tudo para preservar as florestas. Mas a mudança no uso do solo não é o grande vilão! A queima nas termoelétricas e nos motores dos carros, aviões e navios são muito (mas muito mesmo) mais relevantes. Sendo mais direto: podemos parar todo o desmatamento no mundo que continuaremos tendo emissões suficientes para um aquecimento bem acima dos 1,5oC do Acordo de Paris.   

Só que a coisa vai além! Há uma forte pressão sobre as emissões da agropecuária, chegando ao cúmulo de se pensar que a redução de consumo de carne teria algum efeito significativo nas mudanças do clima. Uma grande ilusão que turva o olhar da opinião pública e pode, perigosamente, desencadear políticas públicas que colocam em risco a segurança alimentar de milhões de pessoas pelo mundo! Beira a irresponsabilidade! De novo, ninguém aqui está falando que uma agropecuária mais eficiente seja descartável. Claro que não. O que gostaria de enfatizar é que não adianta absolutamente nada fazer uma COP com 70% de comida vegana circulando nos corredores, mas com praticamente 100% dos holofotes e condicionadores de ar tocados a combustíveis fósseis. 

Entendo que, para falarmos em termos de ações significativas, a grande questão continua sendo a transição energética! Tem que ser acelerada. Não adianta reduzir o desmatamento e abrir mão da produção de alimentos para a restauração ambiental se, na outra ponta, investirmos no aumento da produção e consumo de combustíveis fósseis! 

O Brasil chegou no início da COP com toda a chancela para voltar ao protagonismo nas discussões climáticas globais. Não somente pelos resultados surpreendentes de redução no desmatamento e nos números invejáveis no aumento de eficiência dos sistemas agrícolas sustentáveis, atendendo a agenda já esfumaçada de prioridades. Mas, sobretudo, com uma matriz energética limpa! O maior e mais bem sucedido programa de bicombustíveis do Mundo, com o etanol, cogeração de energia elétrica e o grande potencial de liderar a corrida pela economia do hidrogênio verde! Um real exemplo de transição energética em larga escala!  

Bem, mas o Brasil conseguiu terminar a primeira semana da COP levando para casa o honroso prêmio de “Fóssil do Dia”, concedido por uma organização não governamental aos países que tomam iniciativas que vão na contramão do combate à crise climática. Infelizmente, a adesão à OPEP+ ofuscou todos os avanços reais que o Brasil trouxe para a COP e sobretudo a seu potencial protagonismo na liderança da transição energética para uma economia realmente descarbonizada. Uma pena! Parece que o Brasil preferiu engrossar as cortinas de fumaça das termoelétricas do deserto.