Valeria Campos, Revista Feed&Food nº 201
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Como um dos maiores produtores de alimento do mundo, o Brasil busca constantemente inovar no campo para aumentar a eficiência de suas produções. Neste movimento, diversos atores ajudam a fomentar esse compromisso, a exemplo do governo e instituições de ensino e pesquisa, cooperando para elevar a régua da sustentabilidade.
Na última 28ª Conferência das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (COP 28), o crescimento da agropecuária brasileira e novos programas do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) foram destaques durante o evento, realizado dia 10 de dezembro de 2023, em Dubai.
Ao longo do Painel Diálogos de Produção Sustentável, Marcel Moreira, diretor de Promoção Comercial e Investimentos do MAPA, realçou a importância da sustentabilidade na indústria da carne bovina, onde o órgão e o setor privado colaboram para garantir matéria-prima sustentável e aprimorar a rastreabilidade na pecuária e a transparência das cadeias produtivas.
Como exemplo desse movimento, em dezembro de 2023, o governo federal instituiu o Programa Nacional de Conversão de Pastagens Degradadas em Sistemas de Produção Agropecuários e Florestais (PNCPD) e criou o seu Comitê Gestor Interministerial. O objetivo é a recuperação e conversão de até 40 milhões de hectares de pastagens de baixa produtividade em áreas de agricultura em dez anos, podendo dobrar a área de alimentos no Brasil sem desmatamento.
Em entrevista ao portal do MAPA, o ministro Carlos Fávaro reforçou que além de ser uma prática sustentável, a adoção de medidas garante a segurança alimentar e reduz o impacto das mudanças climáticas: “Com foco na produção com rastreabilidade e sustentabilidade, a proposta visa a intensificação da produção de alimentos, sem avançar no desmatamento sobre as áreas já preservadas e com práticas que levem a não emissão de carbono”.
No rol de tecnologias desenvolvidas, a prática de maior destaque no Brasil entre 2010-2020 foi a Integração-lavoura-pecuária-floresta (ILPF), cuja meta estabelecida em área (milhões de hectares) era de 4, e o alcance foi de 10,76 – registrando alcance de 269% da meta estabelecida.
“Em questão de mitigação de CO2, o valor foi de +185% da meta estipulada, cuja determinação é equivalente a milhões de Mg CO2 eq. Dentro do Plano ABC (Plano de Agricultura de Baixo Carbono), a principal prática em sequência, considerando o resultado do decênio 2010-2020, foi a Fixação Biológica de Nitrogênio (FBN)”, destaca Mauricio Moraes, sócio da PwC Brasil e Líder de Agribusiness.
AGENDA ESG. Recentemente, completa Fabio Pereira, diretor da PwC Brasil e especialista em Agribusiness, o Brasil tem dado mais visibilidade às ações voltadas ao conceito ESG na atividade agropecuária, especialmente para a carne – em razão de garantir o cumprimento da diligência exigida pela legislação europeia.
Esse cenário foi evidenciado nos últimos meses de 2023 durante a primeira Conferência Global sobre Transformação da Pecuária Sustentável, realizada pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e a Agricultura (FAO), além do Anuga 2023 – evento que contou com participação de representantes da ABIEC (Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes) e Apex-Brasil (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos), que divulgaram as ações de sustentabilidade realizadas no Brasil em relação à carne bovina.
“Na conferência da FAO, realizada em setembro, as ações brasileiras foram destaque global para a atividade pecuária, especialmente a Política Pública Setorial da Agricultura e Pecuária sobre Mudanças Climáticas, o Plano ABC+. Ainda nesta pauta, foi citado o programa de crédito rural do Plano ABC+, que oferece aos produtores anualmente mais de US$ 1 bi para a adoção de práticas sustentáveis”, diz Pereira.
Já no evento Anuga, realizado em Colônia (Alemanha), o diretor de sustentabilidade da ABIEC, Fernando Sampaio, relatou que além da integração lavoura-pecuária-floresta, outras práticas sustentáveis importantes na pecuária bovina são realizadas como, por exemplo, o monitoramento socioambiental dos rebanhos, mais conhecido como Sistema de Rastreabilidade de Bovinos do Brasil.
“Ademais, outras ações de mitigação de emissão de gases de efeito estufa (GEEs) e ações de sequestro de carbono vêm sendo realizadas”. Nesta lista, compartilha Pereira, aparecem a recuperação de pastagens degradadas e o tratamento de dejetos animais (TDA).
Em paralelo, outras iniciativas ganharam força no Brasil, como é o caso da bioenergia. Segundo Moraes, o relatório da UNCTAD (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) realça o Brasil como o país que mais recebeu investimentos internacionais em projetos de energia renovável nos últimos sete anos.
Segundo o documento, o Brasil recebeu US$ 114,8 bilhões entre 2015 e 2022: “O montante representa 11% do total de investimentos estrangeiros em países que têm suas economias classificadas como ‘emergentes’”, afirma Pereira.
Ao mesmo tempo, a produção do combustível sustentável de aviação (SAF), do diesel verde (também chamado de HVO), do etanol de segunda geração, além dos já conhecidos etanol hidratado e biodiesel, devem atrair mais de R$ 200 bilhões em investimentos para o Brasil até 2037.
“Essa é a previsão do Ministro de Minas e Energia (MME), Alexandre Silveira. Segundo ele, a expectativa é de que apenas com a interligação do RenovaBio e do Rota 2030, serão R$ 105 bilhões. O MME prevê ainda mais de R$ 15 bilhões de investimentos em SAF e HVO, e outro R$ 1 bi em combustíveis sintéticos, sendo que o etanol, biodiesel, combustíveis sintéticos e biometano contribuirão com mais de R$ 65 bilhões. A captura e estocagem de carbono deve contribuir com mais R$ 3 bilhões”, informa Moraes.
Além disso, de acordo com a IEA (Agência Internacional de Energia), o Brasil deve emergir como um dos países produtores de biometano com o crescimento mais acelerado no mundo nos próximos anos. A agência estima uma representação do Brasil de mais de 10% do fornecimento incremental de biometano no mercado global até 2026.
De acordo com Pereira, a expectativa é de que a produção mundial do gás renovável cresça mais de 65% entre 2022 e 2026, enquanto a Europa e a América do Norte permanecem como os principais impulsionadores (drivers) desse crescimento.
Atualmente, continua, o principal biocombustível utilizado no mundo é o etanol, e o Brasil é o segundo maior produtor global (cerca de 30 bilhões de litros por ano) – atrás apenas dos Estados Unidos. No principal país produtor, o milho é a principal fonte de matéria-prima, enquanto no Brasil é a cana-de-açúcar: “No entanto, a indústria processadora de milho para a produção de etanol vem crescendo no país, contribuindo atualmente com cerca de 20% da oferta nacional”.
Por todas essas iniciativas e particularidades, o Brasil é um dos países mais bem preparados para assegurar, de forma sustentável, o suprimento de alimentos, fibras e bioenergia em escala global. “Temos a evidência de que os aportes de investimentos são realizados para garantir a continuidade da oferta e o crescimento dos setores nos próximos anos”, evidencia Moraes.
TRABALHO EM CONJUNTO. Para fazer tudo isso acontecer, diversos atores da cadeia produtiva somam esforços. Na leitura de Pereira, a integração de instituições de pesquisa (como a Embrapa), universidades e iniciativas públicas e privadas é crucial para impulsionar o setor agropecuário e garantir a segurança alimentar não apenas no Brasil, mas também em nível global.
“Essa colaboração desempenha um papel significativo em várias frentes e forma um ecossistema do agronegócio, cuja atuação contribui e fomenta a inovação aberta no agro, possibilitando melhoria na qualidade dos produtos, nas operações, nas soluções tecnológicas, na capacitação e na educação profissional do agronegócio”, reforça Pereira.
Além disso, continua, esse movimento fortalece e permite a resiliência a desafios do setor, bem como cumpre papel importante na segurança alimentar. Neste ecossistema, as incubadoras tecnológicas nascidas em âmbito acadêmico utilizam a estrutura das universidades para acelerar startups com soluções inovadoras.
E há muito mais exemplos neste campo, revela Pereira. Segundo ele, há diversas publicações e insights relevantes para o setor que são obtidos a partir da união entre instituições públicas de pesquisa juntamente com universidades (exemplo Embrapa e ESALQ): “Um dos projetos relevantes feitos pela parceria entre instituições privadas e públicas foi o de agricultura com emissão de baixo carbono aprovado pelo Plano Científico Mudanças Climáticas FAPESP 2020-2030”.
O projeto interdisciplinar em questão conta com 12 instituições do Brasil e do exterior, com a participação de mais de 40 profissionais das áreas de agronomia, veterinária, zootecnia, física, química, computação, matemática, entre outros, explica Pereira.
Quando o assunto é inovação aberta, na opinião de Moraes, o Brasil é destaque no mundo. Nesse elo, a conexão entre os diferentes agentes do ecossistema de inovação do agro, incluindo academia (universidades, instituições de pesquisa) e hubs de inovação, faz toda a diferença: “Isso traz agilidade no desenvolvimento de tecnologias e inovações nas diversas cadeias de valor do agronegócio”.
DE OLHO NAS TENDÊNCIAS. Pela ótica da PwC, uma das tendências do agronegócio como um todo é a de que o pequeno e o médio produtor rural promovam atualizações no seu modo de operar – um caminho que os levará a ser empresários rurais dentro da realidade de cada um. “Tudo isso levando em conta a profissionalização e uso de tecnologias, para que possam prosperar na atividade. Enquanto isso, os grandes produtores buscam cada vez mais governança e foco na gestão de riscos e sustentabilidade”, discorre Moraes.
Com relação à grãos, continua o sócio da PwC Brasil e líder de Agribusiness, a produção recorde da safra 2022/2023 (322,8 milhões de toneladas, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento – CONAB), resultou em impactos nos preços e no cenário logístico. O cenário exterior também foi produtivo, com boa safra nos EUA. E para 2024, a oferta global de soja deve ser volumosa, mantendo a pressão nas cotações. De acordo com estimativa da Conab, espera-se redução de 2,4% em relação à 22/23 para 23/24.
Para o milho, a safrinha pode sofrer atraso, devido às adversidades climáticas na semeadura da soja. Sendo assim, destaca Moraes, as atenções estão voltadas para a indústria processadora de milho, com a retomada do aumento da mistura obrigatória do biodiesel no diesel fóssil de acordo com Resolução n° 16 do CNPE.
Do lado dos insumos (sementes, defensivos e fertilizantes), o custo de produção nas lavouras tem sido menor neste início de safra para 2023/24, em relação aos altos custos pagos em 2022/23, de acordo com Relatório dos Custo de Produção do IMEA, o Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária.
“O Índice de Poder de Compra de Fertilizantes (IPCF) fechou em 0,95 em novembro, sinalizando uma melhora na capacidade do agricultor brasileiro de adquirir adubos, segundo dados da Mosaic. Além disso, menor custeio com sementes e defensivos (tendo como base os custos com a soja) são observados no Relatório de Custos de Produção do IMEA”, compartilha Moraes.
E dentro desse movimento, no ambiente digital, a Inteligência Artificial (IA) e a Conectividade no Campo são parte das tendências observadas pelos especialistas. Isso porque, enfatiza Moraes, o setor de máquinas e implementos agrícolas considera as soluções de IA integradas ao maquinário como a maior tendência do setor, de acordo com o evento Agritechnica (Alemanha).
“Quanto à conectividade no campo, empresas têm buscado integrar digitalmente suas fazendas e garantir uma conexão eficiente, uma vez que apenas 30% das propriedades rurais são conectadas”, evidencia.
Outra tendência bastante comentada no setor – e com maior crescimento atualmente – são os insumos biológicos, um mercado com forte expansão no Brasil estimulado pela implementação do Programa Nacional de Bioinsumos e pela busca por uma produção sustentável de alimentos.
E esta lista só aumenta. Conforme informa Pereira, a biologia sintética é mais um mercado que ganhou atenção e investimentos, de acordo com a Embrapa Visão de Futuro. A tecnologia consiste no uso de bioinformática e engenharia genética com o objetivo de desenhar e/ou criar sistemas vivos a partir do início: “Como exemplos, observa-se os organismos fixadores de N atmosférico (inoculantes, muito utilizados em culturas como a soja) e o exemplo da carne in vitro (carne de laboratório)”.
Ao estar conectado com todas essas tendências, o Brasil, mais uma vez, termina o ano comemorando diversas conquistas e resultados. E para o ano que chega, a estimativa é de números próximos aos observados em 2023.
Desta forma, complementa Moraes, para a atividade leiteira, as margens negativas e o menor poder de investimento dos produtores, juntamente com o clima adverso do El Niño, devem limitar a produção nacional – mantendo a perspectiva de estabilidade para 2024.
Na bovinocultura de corte, a expectativa é de que os abates se mantenham em níveis historicamente elevados no Brasil, e este deve ser o principal direcionador para estabilidade à baixa para os preços da arroba do boi gordo e animais de reposição em 2024. Enquanto que na avicultura a tendência é de manutenção da competitividade do frango e do ovo, frente às proteínas bovina e suína.
“Com isso, espera-se boa demanda e leve aumento na produção de frango e ovos. E para a suinocultura, a expectativa é de um crescimento tímido na produção em relação a anos anteriores, que foram de maior oferta. Espera-se uma leve melhora na exportação dada a menor produção chinesa”, finaliza Moraes.
A edição de janeiro da Revista FeedFood é produzida em inglês especialmente para o International Production & Processing Expo (IPPE) 2024, realizado entre os dias 30 de janeiro e 1° de fevereiro, em Atlanta (EUA). Nossa equipe esteve presente no evento para distribuir essa edição, com a missão de divulgar informações sobre a produção brasileira de proteína animal.
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