A composição do leite está diretamente relacionada à dieta fornecida para as vacas, tanto que os componentes do leite são utilizados como indicadores de balanceamento. Frações como gordura, proteína e o nitrogênio uréico mostram como está o ambiente ruminal, se existe falta ou excesso de nutrientes e a eficiência na utilização dos mesmos.
Antes de tudo, é importante lembrar que existem gargalos, além da formulação da dieta, que impactam na composição do leite. Precisamos garantir que aquilo que foi formulado, efetivamente chegue às vacas e seja consumido por elas. Para isso, é necessário acompanhar as alterações na composição nutricional de cada item, principalmente a matéria seca das forragens, periodicamente, ou a cada troca de ingrediente. Outro ponto importante é garantir a boa mistura dos alimentos, dimensionando a quantidade de comida dentro da capacidade mínima e máxima do vagão, adicionando os ingredientes na ordem correta, misturando por tempo suficiente, ajustando o tamanho das partículas e a matéria seca da dieta total.
A dieta está no cocho e agora o que pode dar errado? As vacas, assim como nós, têm preferência por determinados ingredientes, normalmente aqueles com maior densidade energética, entretanto, as vacas têm dificuldade em selecionar, devido às limitações físicas e ao modo com que elas capturam o alimento. Se a dieta estiver bem misturada, com tamanho de partículas e matéria seca adequada, dificilmente a vaca fará seleção e o que foi formulado efetivamente será consumido. Além dos fatores já citados, o consumo das vacas é afetado pela qualidade dos alimentos, ambiência, conforto, problemas de casco e o tempo disponível para o consumo.
Focando no balanceamento de dietas e nos efeitos na composição do leite, dividimos o tema entre os dois principais componentes, que afetam o bolso do produtor e podem ser utilizados como indicadores de desbalanço, que são a gordura e a proteína.
Gordura do leite
A gordura é o componente do leite que pode sofrer maior alteração em função de uma dieta mal balanceada. A redução da gordura do leite normalmente está associada a problemas no ambiente ruminal, excesso ou deficiência em nutrientes.
As bactérias que degradam a fibra e produzem a maior parte do ácido acético (precursor da gordura do leite) são sensíveis à redução do pH ruminal. Dessa forma, o ponto chave para garantir o equilíbrio do ambiente ruminal e aumentar a gordura do leite, é garantir que as variações do pH durante o dia sejam as menores possíveis. Cada ingrediente possui diferentes tempos de fermentação e produz determinados produtos (ácidos orgânicos). Esses ácidos são o combustível da vaca, mas também são responsáveis pela redução do pH ruminal.
Relação entre o pH ruminal e a gordura do leite.
Adaptado de Allen, 1997.
A intensidade da redução será significativa, ou não, dependendo do ácido que é produzido, sua concentração e o tempo de absorção pela parede ruminal, ou seja, ingredientes que são rapidamente fermentados e produzem ácidos mais fortes, aumentam a chance de acidose.
Nesse contexto, dietas com elevadas concentrações de amido, principalmente de amido fermentável, têm o potencial de reduzir a gordura do leite. Porém, existem estratégias para minimizar a redução do pH ruminal. As principais são: estimular a ruminação das vacas por meio do fornecimento de forragens com fibra fisicamente efetiva, adicionar tamponantes à dieta (como o bicarbonato de sódio e óxido de magnésio) e substituir parte do aporte de energia do amido por ingredientes com menor potencial de reduzir o pH (como gordura protegida, polpa cítrica, casquinha de soja, açúcar, entre outros).
A redução na gordura do leite não é causada somente pela acidose, fontes de gordura insaturada degradáveis no rúmen nas dietas e presença de micotoxinas nos ingredientes, também podem gerar esse problema. Quando os animais não apresentarem sintomas e o escore das fezes estiver ok, possivelmente um, ou esses dois fatores podem estar afetando a gordura do leite.
A frequência com que as vacas se alimentam também afetam esse componente do leite, devemos estimular que o consumo seja o mais frequente possível, aumentar o número de tratos e empurrar mais vezes, são excelentes estratégias para aumentar o consumo e reduzir o quanto é consumido em uma ida ao cocho.
Relação entre frequência de refeições no dia e a gordura no leite
Adaptado de DeVries and Chevaux, 2014.
Outro ponto que tem grande impacto na concentração de gordura do leite é a relação entre a energia e o nitrogênio disponível no rúmen para a produção de proteína microbiana. Quando a relação é positiva, ou seja, está sobrando energia no rúmen, maior a chance de ocorrer acidose e redução da gordura no leite. Para resolver esse problema, deve-se adicionar à dieta fontes de Proteína Degradável no Rúmen (PDR), ou reduzir o aporte de energia no rúmen.
Proteína do leite
Diferentemente da gordura, a proteína do leite sofre menor variação em função da dieta, mas também é possível ajustar as dietas com foco no seu incremento. Normalmente, a concentração de proteína do leite está associada ao atendimento, ou não, das exigências de proteína da vaca e dos microrganismos ruminais.
A proteína do leite se origina a partir de três fontes: proteína microbiana, proteína fornecida via dieta que passa o rúmen e, em menor proporção, proteínas endógenas. De 60% a 75% (dependendo da dieta e do nível de produção) da proteína metabolizada pela vaca é de origem microbiana. Sendo assim, atender as exigências de PDR e energia no rúmen são pontos chave para aumentar a proteína do leite.
Alguns produtores têm receio de utilizar ureia nas dietas, por medo de intoxicar suas vacas, entretanto, quando utilizamos essa estratégia de maneira correta (ou seja, não excedemos 1% da matéria seca consumida e adaptamos as vacas), essa é uma alternativa muito interessante, que pode baratear dietas e suprir parte das exigências de proteína solúvel e PDR.
Quando o aporte de PDR é muito alto, excedendo a capacidade de produção de proteína microbiana, muitas vezes devido à falta de energia, a amônia produzida passa pela parede ruminal, vai para o fígado, onde é transformada em ureia e volta para a corrente sanguínea, parte é reaproveitada no rúmen, e o restante é excretado na urina e no leite, elevando o nitrogênio uréico do leite.
O nitrogênio uréico do leite é um excelente indicador de como está o balanceamento da dieta, de modo geral, a recomendação é que esteja entre 10 a 14 mg/dL. Valores superiores podem indicar que existe excesso de PDR ou falta de energia no rúmen, valores inferiores, que está faltando PDR ou excesso de energia. A elevada concentração de ureia sendo excretada indica que a concentração no sangue é alta, fator que afeta a reprodução das vacas, além do elevado custo energético para eliminá-la.
As exigências nutricionais do rúmen (microrganismos ruminais) já foram atendidas, agora precisamos pensar na proteína para a vaca, ou melhor, nos aminoácidos, que são as frações da proteína que a vaca utiliza para a produção da proteína do leite. No rúmen, a proteína vira amônia, mas se ela passar o rúmen pode fornecer os aminoácidos necessários para o incremento da proteína do leite. Nós chamamos essa fração de Proteína Não Degradável no Rúmen (PNDR).
Praticamente todos os ingredientes proteicos possuem frações degradáveis e não degradáveis no rúmen, no entanto, na maioria deles a proporção do que fica no rúmen é muito superior a aquela que passa. Por exemplo, o farelo de soja, ingrediente mais utilizado como fonte proteica, aproximadamente 70% da proteína disponível é degradada no rúmen, enquanto apenas 30% não é. Sendo assim, atender às exigências de PNDR para vacas de alta produção e aumentar a proteína do leite é um desafio. Ingredientes como o Soypass®, permitem que mais proteína passe o rúmen (aproximadamente 70%) e aumentem o aporte de aminoácidos para a vaca, sustentando maior produção com acréscimo na proteína no leite.
Mesmo que o aumento da gordura e da proteína do leite não sejam atrativos do ponto de vista financeiro (caso a fazenda não receba pela composição do leite), níveis adequados dessas frações indicam o balanceamento das dietas, eficiência alimentar e saúde das vacas, fatores decisivos para a longevidade dos animais no rebanho e o sucesso na atividade.
Fonte: Dr. João Pedro Pereira Winckler – Assistente técnico comercial da Cargill Nutrição Animal