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O aquecimento global e os ajustes nos biotipos animais e nos sistemas de produção

Por Manuela Siqueira¹, Daniele Zago², Júlio Barcellos³
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A produção de carne bovina é uma atividade sensível às mudanças climáticas, principalmente à elevação da temperatura atmosférica causada pelo aquecimento global nos trópicos. Um estudo atual publicado na revista Nature, estima que para cada 1ºC de elevação na temperatura ambiente, há uma redução de 1% no rendimento de produção de carne bovina. As perdas globais de produção de carne devido ao aquecimento global chegaram a 3,2% nos últimos anos, e há previsão de que esse cenário se intensifique até o final do século (Figura 1). 

A bovinocultura de corte, passou a ser desafiada com novos elementos, agora de natureza ambiental, para assegurar a sua eficiência e produtividade.

Ao observar os sistemas de produção individualmente, os rebanhos de cria, parecem ser os mais desafiados biologicamente. As circunstâncias da produção agropecuária no Brasil têm conduzido a produção de bezerros para áreas marginais, com menor disponibilidade de recursos produtivos, como qualidade de solo. O território vem cedendo espaço para os cultivos agrícolas, condição que reflete espaços de pastos fibrosos para a pecuária, além da presença de ectoparasitas, maior incidência de doenças, como consequências do calor excessivo. Assim, a bovinocultura de corte, passou a ser desafiada com novos elementos, agora de natureza ambiental, para assegurar a sua eficiência e produtividade.

Figura 1. A Organização das Nações Unidas estima que o aquecimento da superfície da terra seja de 1,1°C a 1,9°C desde o início do século até 2050. A Organização Meteorológica Mundial registrou em 2023 temperatura recorde na superfície da terra (1,63ºC).

Condições ambientais como altas temperaturas do ar, radiação solar e alta umidade caracterizam o ambiente que pode desencadear o estresse térmico nos animais que não reúnem características adaptativas e aclimatação aos elementos climáticos. Os impactos se dão diretamente no desempenho animal e indiretamente no consumo de alimento. Nessas condições a fisiologia das vacas se altera, há uma redução no metabolismo energético, aumento da frequência respiratória, balanço energético negativo com maior consumo de água e menor ingestão de alimentos, o que ocasiona um desequilíbrio fisiológico, comprometendo a ciclicidade, o estabelecimento da gestação e o desenvolvimento fetal. Elas apresentam período de estro menor e menos intenso, que resulta na produção de oócitos de qualidade inferior e reduz as chances de o embrião sobreviver. Estudos apontam que a hipertermia diminui a concentração de hormônios circulantes, como a progesterona, fato este que, quando aliado à precariedade nutricional, desencadeia abortos no início da gestação, deficiência no desenvolvimento do feto, partos prematuros e baixa produção de leite.

Os efeitos do desconforto térmico são perceptíveis também nos touros, na redução da motilidade e atividade enzimática dos espermatozóides. Há alguns anos o grupo NESPRO (UFRGS) vem desenvolvendo uma linha de pesquisa que busca avaliar o efeito do clima nos parâmetros seminais de touros em diversos ambientes. Em mais de cinco artigos publicados, foi comprovada a capacidade de touros cruzas entre raças britânicas e zebuínas, denominadas sintéticas, em se adaptar e regular a produção espermática em climas desfavoráveis, assegurando seu potencial para a monta natural.

Animais zebuínos são mais resistentes ao calor e às injúrias causadas por ele, assim, mantém melhores índices produtivos (Foto: Reprodução)

No entanto, cruzamentos estratégicos e a seleção dos biotipos adaptados ao calor, influencia positivamente os índices produtivos. Animais zebuínos são mais resistentes ao calor e às injúrias causadas por ele, assim, mantém melhores índices produtivos quando comparadas com as demais raças taurinas expostas a altas temperaturas. Nessas condições, a duração do estro pode ser reduzida de 14 a 18 horas, para 10 horas. Além disso, fêmeas geneticamente não adaptadas tendem a diminuir a manifestação de cio nas horas mais quentes do dia, o que reduz a taxa de concepção em até 80%, já em animais adaptados este índice é de 20%. Outra oportunidade desses cruzamentos é a maior resistência a infestações por carrapato, principal ectoparasita de ambientes tropicais, que os zebuínos e suas cruzas possuem, pois essa característica apresenta uma herdabilidade média, de 0,34 a 0,49, com uma redução na infestação de pelo menos 33%.

Criar um microclima mais ameno, como a disponibilidade de sombra, água de boa qualidade têm dado bons resultados (Foto: Reprodução)

Além das tecnologias para mitigar os efeitos do calor nos indivíduos, algumas opções podem ser aplicadas aos sistemas de produção como um todo. Por exemplo, a intervenção na busca de criar um microclima mais ameno, como a disponibilidade de sombra, água de boa qualidade, integração com florestas, e adaptações das dietas à redução do consumo de alimento, têm demonstrado bons resultados produtivos. De outra parte, a seleção de animais com maior capacidade de adaptação, a identificação do gen do pelechamento (Slick-hair) e outros parâmetros fisiológicos, por meio dos estudos da genômica, conduzindo à seleção de animais termotolerantes parece ser o caminho mais eficaz no longo prazo. Portanto, as mudanças climáticas e suas implicações serão os desafios do futuro da pecuária brasileira e adiantar-se aos efeitos, por meio da mitigação e preparação às suas consequências é um alerta necessário aos sistemas de produção de bovinos de corte, no presente e no futuro.

Sobre os autores: ¹Graduanda do curso de Medicina Veterinária da UFRGS; ²Pós-Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Zootecnia da UFRGS; ³Prof. Titular no Departamento de Zootecnia da UFRGS e Coordenador do NESPro.

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