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Três lições que a aquicultura brasileira tem a aprender com outros setores

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Natália Ponse, de Natal (RN)

natalia@ciasullieditores.com.br

Apesar de registrar crescimento médio de 12% ao ano, índice considerado significativo para o atual quadro econômico do Brasil, a aquicultura nacional registra há mais de dez anos uma condição deficitária em sua balança comercial, já que de cada US$ 1 exportado de pescado, US$ 5 são importados para dentro de nossas fronteiras. Está espantado(a)? Pois deveria. A carência de tecnologia e incentivos para os pequenos e médios produtores já é histórica e impede que nossos aquicultores produzam de maneira eficiente e sustentável, fazendo com que o produto nacional chegue mais caro até a sua mesa.

A palavra-chave, na opinião do consultor de aquicultura da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) e consultor de demandas do setor da Secretaria Especial da Pesca e Aquicultura (SEAP) do Ministério da Indústria, Desenvolvimento, Comércio Exterior e Serviços (MDIC, Brasília/DF), Rui Donizete Teixeira, é competitividade. Para isso, é preciso uma ação conjunta do governo e do setor produtivo.

Parece complicado, mas saiba que essa fórmula já deu certo em outros lugares e setores. Alguns modelos de eficiência, como é o caso da salmonicultura do Chile e da avicultura brasileira, são fontes inspiradoras para aprimorar uma cadeia produtiva jovem e emergente, como é a aquicultura brasileira. O assunto foi tratado por Teixeira durante a Feira Nacional do Camarão (Fenacam) deste ano, realizada em Natal (RN) entre os dias 16 e 18 de novembro.

Antes de falar dos cases, o consultor especifica três fatores fundamentais para que haja competitividade. Governo atuante, transferência e implantação contínua de inovação tecnológica, e entidades representativas fortes e atuantes. Tanto na avicultura brasileira quanto na salmonicultura chilena, você verá que esta tríade do sucesso está presente, foi e é seguida à risca.

“O país que melhor gerenciar esses fatores, naturalmente passa a ter maior destaque no mercado internacional”, pontua Teixeira, que complementa dizendo que, ao observar os principais países produtores e exportadores de pescado e de aquicultura no mundo, é possível perceber um governo que auxilia o setor aquícola em todos os aspectos, seja na parte de legislação, em incentivos tributários e financeiros, além do apoio a promoção do pescado nos mercados internacionais. “Neste contexto, o Brasil teve uma perda significativa com a extinção do Ministério da Pesca e Aquicultura, que foi transformado em uma pequena secretaria dentro do MDIC”, lamenta.

Primeiro, um exemplo de dentro de casa. A avicultura brasileira é um dos principais cases de sucesso do mundo, já que saiu “do zero” há algumas décadas e hoje está em primeiro lugar nos embarques mundiais. Em letras garrafais: ninguém consegue produzir um frango com tamanha eficiência quanto o Brasil.

Na década de 60, a ave era criada de forma doméstica, voltada principalmente para o próprio consumo do produtor. Poucas empresas trabalhavam com a produção comercial e esta era apenas a quarta proteína mais consumida no Brasil (a segunda era o pescado). Foi nessa época que um pioneiro adotou uma atitude que mudaria os rumos da avicultura brasileira.

José Maria Lamas, junto a um grupo de colegas e de produtores, viajou em uma missão aos EUA em meados dos anos 1960 para identificar pontos a serem aplicados e/ou ajustados na produção brasileira. O que foi encontrado em território estadunidense era até então inexistente em solo brasileiro, e deslumbrou os especialistas e produtores da missão: alta tecnologia de produção, genética e linhagens de alto desempenho, profissionalismo, verticalização com sistema de integração, especialização e uma excelente qualidade de vida dos produtores no meio rural.

O retorno desta missão se tornaria um marco para a atividade verde e amarela. Aliás, esta foi a primeira situação de uso do chamado benchmarking* no agronegócio brasileiro, o que acabou por iniciar uma revolução em toda a cadeia produtiva avícola.

*Benchmarking: processo contínuo para medir produtos, serviços e práticas com os mais fortes concorrentes ou com as companhias reconhecidas como líderes de um setor

Foi a partir daí que o setor decolou. Em 1963 foi criada a União Brasileira de Avicultura (UBA) e as empresas passaram a importar material genético para melhoria dos plantéis. Inaugurou-se a primeira fábrica de ração para aves, e em 1976 foi criada a Associação Brasileira de Exportadores de Frango (ABEF). Na ultima década ambas fundiram-se e surgiu a Ubabef. Mais recentemente, com objetivo de maior força e representatividade do segmento de carnes, uniram-se à Associação Brasileira da Indústria Produtora e Exportadora de Carne Suína (Abipecs), nascendo a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), maior entidade representativa do setor no Brasil. 

Teixeira explica que a receita da evolução progressiva da atividade contou com alguns ingredientes básicos (aquela tríade do sucesso, citada no início do texto). Especificando:

  • Representatividade: com a união entre Ubabef e Abipecs e o nascimento da ABPA, representando um setor forte e atuante, que trabalha de forma coletiva;
  • Inovação tecnológica: eficiência no controle da sanidade animal das empresas e de enfermidades, além da padronização de técnicas de produção e ações contínuas de alto profissionalismo;
  • Governo atuante: uso de benchmarking, participação em missões técnicas e comerciais, investimento em branding (promoção da imagem do produto, do setor e do País); além da ação de priorização da cadeia produtiva, atualização constante dos atos normativos e de controle, missões comerciais internacionais públicas e privadas para venda a outros países, estímulo com redução da carga tributária e consolidação da imagem do Brasil no mercado internacional.

Para checar o segundo exemplo, vamos viajar ao nosso vizinho, o Chile. Quem nunca ouviu falar do famoso “salmão chileno”? Essa boa fama teve início na década de 70, quando o país era apenas um exportador de cobre e a marca “made in Chile” era pouco conhecida, sem representatividade no mercado mundial. A aquicultura por lá, naquela época, era iniciante – exatamente como aqui.

Para fazer este jogo virar, adivinhe: a tríade. O governo criou em 1976 a Fundación Chile (FCh), que em parceria com o Instituto Americano de Inovação Tecnológica, de soluções personalizadas para os mercados de energia, transportes e indústrias (ITT), tornou-se um centro tecnológico com o objetivo de promover o crescimento do setor empresarial e industrial do Chile, por meio da inovação e implementação tecnológica. “Eles elegeram investir estrategicamente em algumas atividades, entre elas, a aquicultura. Nela, priorizaram algumas espécies com melhor valor comercial, como o salmão”, explica Teixeira.

A FCh foi a principal responsável pela evolução da salmonicultura chilena, mas outros fatores também contribuíram: a realização de benchmarking (com obtenção de tecnologias de vários países para adaptá-las à realidade do Chile); a criação de empresas com unidades demonstrativas da criação de salmão naquele país, implantando inovação de processos e valor agregado; o início em 1978 da Subsecretaria de Pesca, do Serviço Nacional de Pesca (Sernapesca), da Agência de Controle de Qualidade e Sanidade Aquícola, além da Pró Chile, agência de apoio e promoção dos produtos do país no exterior.

Mas não ache que a iniciativa partiu apenas do poder público. O setor produtivo criou entidades representativas fortes, como a Associação da Indústria do Salmão do Chile A.G. (Salmonchile), em 1986. “Com isso, começaram os investimentos internacionais, com adesão de empresas globais, e foram recrutados profissionais com vocação técnica e enfoque empresarial”, explica Rui Teixeira.

Na opinião do consultor da FAO, um dos principais aspectos estratégicos para fazer a salmonicultura chilena dar certo foi estabelecer previamente um pacote tecnológico que, só depois de pronto, foi oferecido às empresas. “Dessa forma, o Chile foi o principal responsável pela popularização do salmão no mercado internacional”, finaliza.

Atualmente, o Brasil é um dos principais exportadores de produtos de aves, bovinos e suínos, mas ironicamente importa pescado. Aqui, os produtores de empreendimentos aquícolas, pequenos e médios, representam 96% do todo. Como a tecnologia não chega nestes lugares, os profissionais acabam sofrendo com baixa assistência técnica e inovação tecnológica, ocorrem poucas missões (benchmarking), baixo uso de equipamentos e ausência de controle mínimo da produção e de custos. Além disso, Teixeira aponta que o percentual de produtores organizados em entidade de classe, como associações e cooperativas, é baixo. “Geralmente produzem isoladamente, sem ação coletiva, sendo que poucos participam de um sistema integrado”, conclui. A indústria também tem seus gargalos, como o baixo aproveitamento da matéria-prima (apenas 30% é aproveitada – de cada 1000kg que entra na industria, saem apenas 300kg de produto).

A solução para a melhoria da competitividade, discorre Teixeira, está na eficiência e produtividade, desde o setor primário até o comércio. “É preciso democratizar a tecnologia para todo o segmento produtivo, fortalecer os órgãos de extensão rural e assistência técnica, priorizar o uso de benchmarking como ferramenta para se manter atualizado, promover a modernização do setor com incentivos como financiamentos, desenvolver e difundir técnicas de melhoria no aproveitamento da matéria-prima com maior agregação de valor, gerar pesquisa e desenvolvimento de novos produtos e estabelecer estratégias de branding, para melhorar a imagem do pescado brasileiro no mercado internacional, com identificação de origem e certificação, como ‘Amazon Fish’, ‘Costa Negra Shrimp’ etc”, finaliza.