Gabriela Salazar, da redação
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As técnicas para aumentar a produtividade dos animais tem avançado consideravelmente. Os produtores têm como objetivo entregar produções de qualidade e que atendam à demanda dos consumidores. Com isso, surgem diversas substâncias capazes de potencializar esses ganhos e garantir maior sanidade às criações. Os custos são elevados e o retorno não pode ser impactado por falhas nesse processo. Mas, e se os insumos não chegarem e as cargas não forem entregues aos frigoríficos?
Uma amostra desse cenário foi vista no final de maio no Brasil, quando a greve dos caminhoneiros expôs a dependência de todo setor com a categoria. Centenas de produtores foram impactados, situação comprobatório de que o processo não está concluído quando o animal cruza a porteira. O escoamento desses produtos ocupam uma parte essencial do processo e também exigem atenção e cuidados no período pré-abate. Antes dos frigoríficos, o último contato é com o responsável pelo transporte da carga, momento em que o animal é retirado de seu ambiente habitual, o que pode ocasionar um aumento nos níveis de estresse e comprometer o trabalho realizado anteriormente.
Mais uma vez a categoria se mostra fundamental para a cadeia produtiva. Uma forma de combater esses impactos e aperfeiçoar essa relação transporte x criação é a adoção de técnicas, como o programa Nada nas Mãos, que evidência a importância do animal ter hábitos mais próximos do seu natural para que possa produzir mais e melhor. O conceito foi criado no Brasil pelo médico-veterinário, Paulo Loureiro, que de acordo com a também médica-veterinária, Adriane Zart, iniciou o processo a partir da observação de rebanhos. A técnica foi aprimorada após o contato com profissionais da Austrália e Estados Unidos, que trabalhavam de forma semelhante.
“O programa Nada nas Mãos não trata apenas de um treinamento sobre manejo do gado no curral, mas sim de um conceito de melhoria contínua com foco principal nas pessoas e nos animais. Sugere uma mudança de conceito no relacionamento e no gerenciamento de bovinos, buscando sempre a construção da confiança”, explica a médica-veterinária.
A adoção de práticas que priorizam o bem-estar animal entre produtores tem avançado não só pela demanda crescente dos consumidores, mas também pelos ganhos produtivos. No entanto, o período pré-abate nem sempre é observado com a atenção devida. Segundo Zart, nessa fase diversas alterações podem ocorrer no organismo do animal, provocando assim importantes perdas. Entre os principais riscos a profissional cita, os acidentes que podem levar a fraturas, dor e sofrimento nos animais; as contusões que levam a perda de carne e o estresse que prejudica a qualidade e o tempo de prateleira.
“Em situações de estresse o corpo do animal libera cortisol na corrente sanguínea que provoca um aumento considerável na exigência de energia para o trabalho muscular, com isso o organismo passa a consumir o glicogênio armazenado no músculo (energia). Em situações de estresse prolongado antes do abate, o estoque de glicogênio muscular começa a se esgotar, e, sem ele, não haverá formação de ácido lático suficiente que é necessário para a diminuição do pH post mortem, resultando em uma carne com qualidade inferior (cor escura, textura firme e seca) e tempo de conservação menor”, elucida Zart.
O conceito, segundo a profissional, tem sido bem aceito pelos criadores já que, além dos ganhos reais em números, a prática torna o trabalho com gado no curral mais fácil e prazerosa. Já em relação ao transporte, a técnica também tem sido inserida, principalmente nas fazendas e empresas que trabalham com engorda. Para Zart, a falta de contato com o animal não é um empecilho para os motoristas aderirem a prática, mas sim, a falta de informação. “De forma geral percebo que há um grande despreparo dos caminhoneiros”, pontua a médica-veterinária.
A profissional também salienta que os cuidados com o transporte começam bem antes da entrada dos animais no caminhão. Já que a forma como o embarque é realizado impacta no conforto do animal ao longo da viagem. Zart destaca que é importante que o processo seja o mais natural possível, sem que o animal sinta a necessidade de correr.
“Gado que corre no curral antes de entrar no caminhão fica agitado, com batimento cardíaco acelerado, com a adrenalina e o cortisol aumentado. Logo, as chances desse animal sofrer batidas e contusões durante o processo e a viagem são muito maiores. Atenção maior deve ser dada nas passagens de portões para evitar que dois animais tentem passar ao mesmo tempo e acabem lesionando o flanco ou lateral”, reforça a profissional.
Além disso, o número de animais também precisa ser observado para que não seja colocada uma quantia superior ao que suporta cada compartimento, fator que aumento o risco de contusões. Uma dica de Zart é que os animais sejam enviados em sequência para o caminhão para que entrem um seguindo o outro, sem interrupções. Outro ponto importante do processo, segundo a médica-veterinária, é o envio imediato do carregamento após o embarque. “Os veículos são ventiladas quando em movimento e a temperatura interna pode chegar a níveis muito elevados se parado ao sol, especialmente durante as horas quentes do dia, o que agrava ainda mais o estresse e desconforto dos animais”, afirma.
Já existem empresas que buscam treinar os caminhoneiros para que estejam preparados para manejar o animal de maneira correta e no tempo adequado. Um exemplo citado por Zart, é a Agropecuária JBJ, que segundo ela, trabalha em todas as suas fazendas e confinamentos com a técnica Nada nas Mãos e faz um trabalho em conjunto com a transportadora que leva os animais para o frigorífico. “Com esse trabalho o grupo conseguiu reduzir as percas por contusões tanto na parte externa da carcaça quanto as que aparecem após a desossa de uma média próxima a 30% para menos de 10%, importante deixar claro que nesse caso as avaliações são feitas no animal inteiro e não somente das 3 peças principais do boi, por isso esses valores altos”, completa a médica-veterinária.