O leite nos traz inúmeros benefícios. Ele é um alimento completo, rico em cálcio, magnésio e cheio de proteínas benéficas para a nossa saúde. É um ótimo antioxidante, possuindo propriedades para neutralizar substâncias que envelhecem nossas células, retardando o envelhecimento humano. Por ser rico em proteínas, o leite desenvolve um importante papel em nosso sistema imunológico. A lactoferrina, por exemplo, é uma das proteínas que auxiliam nesse processo. Fonte rica em cálcio, que contribui com a saúde óssea, é também responsável por auxiliar uma excelente noite de sono.
Mas, para que de fato possamos obter esses e diversos outros benefícios no consumo do leite, temos que garantir que o alimento seja seguro para nossa alimentação, sem risco de contaminação por patógenos ou resíduos tóxicos e, para tanto, os cuidados com a qualidade do produto devem iniciar muito antes de chegar à mesa de cada pessoa. Produtores precisam estar atentos ao manejo e à rotina de seus animais, condição dos equipamentos de ordenha (manutenção e higiene), sintomas de doenças ou alterações fisiológicas nos animais ou odores desconhecidos, além de proporcionar um ambiente confortável e com alimentação balanceada ao gado. Ainda, é fundamental muita cautela com a sanidade do rebanho leiteiro e a higiene do processo de ordenha.
A verdade é que desde o início de vida até o momento da ordenha, as vacas precisam de vários cuidados sucessivos e constantes para poderem expressar todo seu potencial genético, não só em qualidade como em quantidade.
Fase inicial do rebanho
A sanidade e bons cuidados durante a etapa de bezerra e novilha vão fazer muita diferença para o desempenho do animal em geral. Seu crescimento, capacidade reprodutiva, sistema imune e potencial produtivo são fortemente influenciados por uma cria e recria bem executada. Cuidados com sanidade, nutrição e bem-estar são o fiel da balança para evitar várias doenças. Se a bezerra desenvolve diarreia, por exemplo, sua capacidade total de absorção de nutrientes e água no intestino é comprometida. Isso trará impacto inevitável, fazendo dessa bezerra um animal mais tardio em reproduzir, menor capacidade produtiva e susceptível a doenças para o restante da vida, como a mastite, principal doença das vacas leiteiras, maior fonte de prejuízos e perda de produção e altamente relacionada à capacidade imune do animal.
Alimentação: alicerce da fazenda
A alimentação é a base de todo o período produtivo e reprodutivo. Uma vaca com genética selecionada para produção leiteira é o animal com as maiores exigências nutricionais do planeta (proporcionalmente, considerando quantidade x peso). Isso significa que todo cuidado com a formulação da dieta é primordial para garantir um bom sistema metabólico e imune, que irão prevenir distúrbios e doenças que impactam diretamente na capacidade produtiva. Casos de hipocalcemia, cetose, acidose e doenças de casco, por exemplo, não só trazem o prejuízo dos medicamentos e custos veterinários, mas causam importante redução na produtividade e até mesmo na composição do leite, reduzindo a qualidade e eficiência da produção leiteira da fazenda.
E se não bastasse, além de impactar a imunidade, qualquer uma dessas doenças citadas, comuns em qualquer fazenda, aumentam a chance de a vaca desenvolver mastite.
Estrutura da fazenda é importante para qualidade da produção?
Também é necessária uma atenção especial à propriedade, promovendo um ambiente higiênico e confortável ao rebanho, além de executar um adequado plano de vacinação. Se criadas à pasto, os piquetes devem ser bem estruturados, com boa cobertura de vegetação evitando bolsões de lama e barro, além de açudes e regiões alagadas, pois todas essas questões aumentam a chance de novos casos de mastite, além de dificultar a cura de qualquer caso já em tratamento. Sombreamento também é imprescindível, mesmo para as raças zebuínas ou mestiças. Água abundante e de qualidade não pode faltar e, é claro, pasto bem manejado e suficiente para os animais.
Se forem mantidas em sistemas confinados, como free-stall e compost barn, há várias questões técnicas de layout da estrutura que devem ser respeitadas, como disposição do galpão no terreno; dimensionamento do ambiente; das baias, corredores e pista de alimentação; tipo, manejo e qualidade da cama; correto sistema de ventilação e resfriamento; proteção bem formada contra sol e chuva; disposição dos bebedouros e volume de água disponível; enriquecimento ambiental; higiene do ambiente; etc.
Tudo isso, de alguma forma, irá impactar produtividade, reprodução e imunidade. Aqui devemos ressaltar novamente a mastite, pois uma enorme parte dos casos originam-se no galpão o no pasto.
Repare que já falamos de 3 grandes setores/tópicos fora da sala de ordenha que tem impacto direto para evitar essa insistente doença e grande ladrão da fazenda que é a mastite, e só falamos superficialmente. Há muito o que discutir em cada tópico anterior.
E na hora da ordenha, o que deve ser realizado?
A qualidade da ordenha começa desde a condução da vaca, que deve ser feita de maneira tranquila, não causando qualquer tipo de estresse ao animal. Respeitar o horário e rotina dos animais, não deixando que fiquem muito tempo na sala de espera, fazem diferença para a qualidade do processo. Mudanças na rotina ou um manejo estressante aos animais liberam os hormônios adrenalina e cortisol na circulação sanguínea, atrapalhando o efeito de outro hormônio (ocitocina) que é essencial para a liberação do leite nas glândulas mamárias na hora da ordenha. Além disso, o cortisol demora a reduzir no sangue, gerando efeitos negativos sob a absorção de nutrientes, capacidade imune, termorregulação e reprodução.
Durante a ordenha a higiene deve estar entre os principais cuidados do produtor. A correta limpeza e desinfecção das mãos do ordenhador, dos equipamentos e utensílios, bem como do ambiente e da vaca, evitam contaminações por microrganismos no leite ordenhado e nas glândulas mamárias das vacas, prevenindo a mastite. Independente de utilizar sistema de ordenha manual ou mecânica, as mãos precisam estar muito bem higienizadas com água e sabão antes do início da ordenha e, sempre que se fizer necessário, ao manipular objetos contaminados ou sair e retornar ao ambiente de ordenha. De preferência, deve usar luvas descartáveis. Caso esse cuidado não seja levado a sério, o próprio ordenhador pode transmitir, através das mãos, bactérias para o teto da vaca, ou para o próprio leite. Da mesma forma, botas e aventais também precisam estar devidamente limpos.
Todos os utensílios e equipamentos devem receber a higienização no final de todos os procedimentos, seja em sistema de ordenha manual ou mecanizada. A utilização de detergentes específicos e com formulações especializadas (detergente ácido, alcalino clorado e neutro) garantem maior eficácia na remoção de resíduos. Aliás, o uso de sanitizantes também são importante arma para combater os microrganismos que restaram nos equipamentos após a limpeza com detergentes.
Verificar a ocorrência de mastite clínica é outro ponto primordial que precisa ser ressaltado, pois muitos ordenhadores ainda negligenciam esse procedimento. Isso é realizado pelo teste da caneca telada ou de fundo preto. Retira-se os três primeiros jatos de cada teto, verificando se há sinais de alteração no leite (grumos, sangue, pus etc.). Caso alguma mama do animal demonstre tais sinais, deve-se ordenhar esse animal à parte, para não contaminar todo o restante do leite no tanque de resfriamento bem como o conjunto de ordenha do maquinário. O ideal é ter um conjunto de ordenha e latão separados para ordenhar animais infectados, evitando transmitir para o restante do rebanho.
Após esse processo, é hora de realizar a limpeza e assepsia dos tetos com uma solução de pré-dipping (procedimento de higienização dos tetos antes da ordenha), usando aplicador apropriado. O objetivo aqui é evitar contaminações no leite e novos casos de mastite ambiental. Há diferentes métodos de higiene, desde o mais tradicional com copo, aplicador específico e limpeza com papel toalha, à aplicação com auxílio de borrifador ou sistema spray e até mesmo com toalhas especializadas para pré-dipping, onde exige-se alta tecnologia de produtos e processos para realizar a higiene dessas toalhas entre uma ordenha e outra, o que apesar de adicionar um novo processo rigoroso para a limpeza das toalhas é o método com maior capacidade de higiene e estímulo para ordenha.
Recomenda-se evitar a lavagem dos tetos com água corrente, pois durante todo este processo é comum molhar o úbere e os pelos do animal, o que fará escorrer água contaminada para dentro das teteiras durante a ordenha. Além disso, para aumentar a eficácia da higiene na pré-ordenha tem sido cada vez mais comum a aplicação de produto de pré-dipping também antes do teste da caneca, um duplo pré-dipping.
Após a ordenha, os tetos devem receber aplicação de produtos especializados para pós-dipping, que combaterão os microrganismos que estão sob a pele e dentro do canal do teto, prevenindo mastite contagiosa.
Além de eliminar os microrganismos, esses produtos ainda fornecem cuidados extras que fazem importante diferença para o combate as infecções de úbere, como a formação de uma barreira física em torno do teto, além dos cuidados cosméticos com a pele que sofre estresse natural do ambiente e do processo de ordenha (seja manual ou mecânica). Uma pele e esfíncter sadios, sem rachaduras, feridas, ressecamento ou calos (hiperqueratose) são a primeira barreira de proteção contra as colônias e contaminações de microrganismos. Vários estudos científicos já demonstraram que a saúde da pele e do esfíncter podem fazer a diferença entre evitar ou desenvolver novos casos de mastite.
Um importante cuidado que as fazendas podem adicionar à sua rotina é o uso da sanitização de teteiras após cada vaca ordenhada. Seja com borrifadores em um sistema automatizado ou borrifadores manuais, esse processo reduz a carga bacteriana dentro da teteira após a ordenha e auxilia na prevenção de mastite contagiosa, evitando a chamada contaminação cruzada, quando uma vaca transmite mastite para outra através de algum vetor, como a teteira.
Ao final do processo, todos os equipamentos e utensílios devem ser corretamente limpos e sanitizados. Isso inclui copos de pré e pós-dipping, caneca de fundo preto, maquinário de ordenha, latões, etc. Do contrário não será possível garantir baixos níveis de CBT (Contagem Bacteriana Total), CCS (Contagem de Células Somáticas) e mastites.
Por fim, mas não menos importante, o tanque de leite ou tanque de expansão é peça fundamental para preservar a qualidade e volume do leite que tão arduamente foi produzido pela fazenda. Para que os microrganismos não se multipliquem no leite e comprometam sua integridade e os índices de CBT, o leite precisa ser resfriado rapidamente (e à uma temperatura adequada, mantendo-se 2 e 4ºC. O tempo para alcançar tal temperatura deve ser no máximo de 3 horas, sendo ideal até duas horas. Com a chegada de novo volume de ordenha, a temperatura do conteúdo do tanque não deve ultrapassar 10 ºC e retornar para valores abaixo de 4 ºC em até duas horas.
Para garantir que o tanque esteja resfriando adequadamente, sempre confira com auxílio de um termômetro de qualidade a real temperatura do tanque, para ter certeza de que o termostato do equipamento está mostrando a temperatura verdadeira. Após cada coleta do leite, o tanque deve ser lavado e sanitizado adequadamente.
Doenças de cascos
Um programa de prevenção de doenças de cascos também influencia na produtividade e qualidade do leite. A incidência de novos casos de mastite dobra em animais que se mantêm com problemas de cascos. Além dos aspectos que já citamos, como nutrição, conforto e estrutura da fazenda, há outras formas de reforçar a imunidade e/ou reduzir a exposição à novas afecções podais. Basicamente, assim como em inúmeras doenças, a prevenção é mais barata e proveitosa que processos curativos. Existem vacinas que auxiliam na prevenção de algumas doenças de casco, o manejo de casqueamento preventivo ao menos 1 vez por ano e também o manejo de pedilúvio.
Cautelas durante a produção
Durante sua produção, no úbere da vaca, o leite é um alimento improlífico, não possui qualquer tipo de contaminação. No entanto, no ato da ordenha, ou armazenamento, haverá contato com microrganismos que reduzem sua qualidade. Por tratar-se de um sistema complexo de manter o leite sem agentes contaminantes, os órgãos regulatórios permitem apenas níveis baixos de contaminação. Além disso, cada vez mais os laticínios tem investido em programas de bonificação para produtores que produzem leite de maior qualidade. Ainda assim, mesmo que o laticínio não pague mais por qualidade (afinal de contas, o compromisso ético de produzir alimento pressupõe que o processo visa evitar contaminação de qualquer espécie que seja prejudicial para o consumo), ainda assim é financeiramente importante que o produtor produza leite de alta qualidade, com baixos índices de CBT e CCS, pois o contrário, leite de alta CSS e CBT, indicam sistemas altamente contaminados por patógenos e vacas doentes e infectadas por mastite, seja em nível clínico e subclínico. O resultado é um rebanho que produz menos leite e há maior recorrência de doenças, o que por si só traz prejuízos maiores do que o investimento para produção de leite de qualidade.
Após a coleta do leite, há processos térmicos pelos quais o leite passa antes da comercialização, como a pasteurização, ou temperatura ultraelevada, se feitos de maneira correta, são capazes de destruir os micro-organismos patogênicos, que podem estar presentes no leite, mas não são efetivos na hora de impedir eventuais deteriorações de proteína e gordura, ocasionando a alteração no produto final.
Para atestar sanidade ideal ao animal, células somáticas presentes no leite não devem ultrapassar as margens entre 0 e 7%, sendo a principal causa para ultrapassar essa margem a inflamação nas glândulas mamárias, causadas, em sua maioria, por infecções bacterianas. A Instrução Normativa 77, de 30 de novembro de 2018, do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento, define o limite máximo de 300.000/mL de células somáticas por mililitro (mL) no leite cru refrigerado. A título de comparação, dados apresentados pela Embrapa, em países como na Comunidade Europeia e na Nova Zelândia, o limite (células/mL) é <400.000, no Canadá é 500.000 e nos Estados Unidos é 750.000.
Com alta porcentagem de células somáticas, o produtor terá interferência negativa na indústria, sob tudo na fabricação de queijos, mas também interferindo na produção de leite UHT, do leite condensado e da manteiga. A título de exemplo, leites com alto nível de CBT vão alterar aspectos sensoriais do queijo (cheiro e sabor) bem como exigirá maior quantidade (litros) de leite para produção de 1 kg de queijo. Para um leite de qualidade ainda se deve observar a ausência de antibióticos e resíduos químicos. Os antibióticos possuem o poder de inibir a fermentação dos produtos lácteos, impedindo que estes possam ser processados para outros fins. Inclusive, por lei, o laticínio não pode processar e utilizar leite com antibiótico, exigindo seu descarte total, e quem paga a conta do leite descartado por contaminação de antibiótico é o próprio produtor.
A efetiva qualidade deve ser averiguada através de testes, que possuem parâmetros já definidos, que avaliam questões como higiene e composição. As normas para os testes são nacionais, podendo haver algumas pequenas variações entre os parâmetros de testes realizados. De um modo geral, são avaliadas algumas características físico-químicas e sensoriais (cor, gosto e odor), contagem de bactérias, contagem de células somáticas, ausência de patógenos, composição (teor de gordura, proteína etc.), pH, a ausência de conservantes químicos e resíduos de antibióticos, pesticidas e medicamentos veterinários, conforme determina o Ministério da Agricultura e Pecuária e o Serviço de Inspeção Federal (MAPA). Tais características garantem que o leite é seguro e adequado para consumo humano.
A pecuária leiteira vem se modernizando e avanços significativos tem sido notado na qualidade do leite cru e industrializado. Cada vez mais produtores investem em animais com excelente genética, bem nutridos e ainda em produtos altamente tecnológicos para ordenha e diagnósticos precisos e precoces de doenças, como a mastite, afetando positivamente na saúde do animal e, por consequência, para o bem-estar do consumidor.
Prudência na pós-produção
No entanto, os cuidados com o leite devem ultrapassar as porteiras das fazendas do país e estender-se a estradas rurais e distribuição de energia elétrica segura e estável, para que as fazendas e indústrias possam garantir um produto de qualidade até as prateleiras dos supermercados.
E ao chegar nos supermercados e ainda quando levamos o produto para casa, os cuidados precisam seguir, principalmente no que diz respeito ao resfriamento e armazenamento do produto, garantindo a segurança do alimento, para que possa ser consumido dentro do prazo original de validade de maneira segura, promovendo saúde e satisfação a cada um de nós, os consumidores.
Fonte: A.I/Grupo Kersia do Brasil.