Natália Ponse, da redação
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O nicho de mercado para a produção de ovos sem gaiolas está em expansão pelo mundo, visto que os consumidores estão ficando mais exigentes com relação à escolha de mercadorias provenientes de criações com bem-estar animal. Além deles, ONG’s e grandes redes de restaurantes estão direcionando o foco para produtos gerados em um manejo mais humanizado. Conforme informações do Instituto Certified Humane Brasil (representante na América do Sul da Humane Farm Animal Care, principal organização internacional sem fins lucrativos de certificação voltada para a melhoria da vida das criações animais na produção de alimentos, do nascimento até o abate), gigantes como McDonald’s, Burger King e Giraffas anunciaram que a partir de 2025 usarão somente mercadorias de granjas que utilizem o sistema cage-free. No início deste ano, a Aurora Alimentos também se colocou a favor do fim da prática e a empresa irá usar, em até sete anos, somente ovos de galinhas criadas sem gaiolas.
Mas, o grande ponto levantado pelos produtores é que os riscos da implantação desse sistema são altos. Conforme conta o diretor Técnico da Associação Paulista de Avicultura (APA), José Roberto Bottura, o risco de contaminação (já que as aves ficam no chão, em contato com fezes e bactérias) pode ir de encontro à responsabilidade de se produzir um alimento saudável para a população, correndo o risco inclusive de infecção por Salmonella. “Não é só tirar o animal da gaiola, é preciso proporcionar um ambiente de qualidade”, pontua. Ele ainda destaca que, muitas vezes, por conta do custo elevado para se adaptar a produção a este sistema, o produtor acaba não conseguindo o retorno de seu investimento. A entidade paulista não se posiciona contrária à produção de ovos fora de gaiolas. Bottura ressalta que o produtor tem o poder de escolha para seguir o caminho que lhe trouxer melhores resultados, desde que adote as devidas providências para continuar mantendo o padrão brasileiro de produção de alimentos seguros.
A Associação Brasileira da Avicultura Alternativa (AVAL) tem como prerrogativa a produção de aves de forma alternativa ao modelo industrial e assim, todas elas são criadas livres de gaiolas, seguindo os preceitos de bem-estar animal. Assim são as aves caipiras, as livres de antibióticos, as orgânicas e as próprias galinhas livres de gaiola, que têm sua norma própria dentro da associação. “Dito isso, assumimos que a transição dos demais fornecedores para este modelo alternativo de criação só trará benefícios aos animais, ao produtor e ao consumidor, pois é nisto que acreditamos e vivemos enquanto produtores de ovos alternativos”, conta a diretora Técnico-Científica da entidade, Miwa Yamamoto Miragliota.
Mas ela reforça: a AVAL entende que toda produção alternativa requer um tempo para se estabilizar frente aos parâmetros de produção anteriores. Inicialmente, os índices produtivos são bastante distintos, o que justifica o preço diferenciado, porém, com o passar do tempo e o processo de melhoria contínua que se faz presente na gestão de produção, existe uma aproximação aos índices industriais. “Acreditamos que este processo ocorrerá também com os ovos livres de gaiola no Brasil”, explica.
De acordo com Miragliota, a principal barreira para a implantação deste método em larga escala no Brasil é a mudança do paradigma produtivo: o produtor que sempre criou as aves em gaiolas em vários níveis no mesmo galpão e com alta densidade por gaiola, ao trazer as aves para o piso experimenta a sensação de baixo rendimento por unidade produtiva. Para ter o mesmo volume de produção, ela orienta, o produtor precisará de uma área maior e de um maior número de instalações, e por consequência, de maior investimento e de mais mão-de-obra. Tudo isso contribui para o aumento do custo de produção e reflete no preço final ao consumidor.
“Uma segunda barreira é o consumidor final estar disposto a pagar por um produto feito com um ovo mais caro que agrega valores conceituais, nem sempre vistos a olho nu, e por isso mesmo carrega em si todo um sistema de rastreabilidade desde o bem-estar do animal na sua unidade produtiva até o produto processado na indústria de alimento para garantir que aquele produto foi feito mesmo com ovo de galinha livre de gaiola. Os sistemas de garantia incorporados neste processo têm seu custo e contribuem elevando os preços”, destaca a diretora Técnico-Científica.
Sobre a questão sanitária, Miwa Yamamoto Miragliota fala que as aves livres de gaiolas se tornam menos vulneráveis a doenças devido à ausência de estresse, num primeiro momento. Em galpões com piso elevado (plástico ou madeira), as aves não têm contato com suas fezes e isso reduz a incidência de parasitoses. “Quando a produção é feita no piso, vacinações e o tratamento prévio da cama se fazem necessários. Mas, o ponto crucial é que após o término do período produtivo de um lote de galinhas, todas são removidas, a instalação é lavada, desinfetada, passa por um vazio sanitário, troca-se a cama e um novo ciclo se inicia. Isso tudo, se bem feito, zera a instalação de doenças para um novo alojamento”, menciona.
Quando as aves têm acesso ao campo, como é o caso das galinhas caipiras e orgânicas, a associação recomenda a rotação dos piquetes para o controle de parasitoses, e o fornecimento de água clorada e ração apenas dentro dos galpões telados, evitando assim o contato com aves silvestres que podem transmitir outras doenças. As vacinações, as medidas de biosseguridade, e os programas de controle de pragas e roedores são aplicados na sua íntegra, tal qual é feito em granjas industriais. O manejo produtivo em piso único requer maior atenção e cuidados por parte do tratador para não assustar as aves, pois a interação é bastante próxima. Então é preciso caminhar vagarosamente, sem gestos abruptos, respeitando seus comportamentos e ajustando as condições ambientes conforme as necessidades dos animais, pois é pouco automatizado.
“A AVAL apoia este movimento como uma ratificação dos seus valores que sempre estiveram presentes na produção de aves alternativas desde a sua fundação em 2001. Acreditamos que o bem-estar animal seja um eixo mestre para atingirmos a sustentabilidade nesta cadeia. No Brasil, ainda existe a questão de escala para atender à demanda das gigantes, e num segundo momento, de todo território nacional. Para que a transição transcorra sem volta, é preciso que o consumidor brasileiro e as indústrias de alimentos considerem como padrão básico do ovo comum aquele produzido por aves em condições de bem-estar, no mínimo, livres de gaiolas, pois continuará a ser a proteína de origem animal mais acessível do mercado”, finaliza Miwa Yamamoto Miragliota.