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O desafio do setor em otimizar o uso de antibióticos na produção animal

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Natália Ponse, da redação

natalia@ciasullieditores.com.br

A quarta declaração da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre crise de saúde surgiu quando percebeu-se a problemática das chamadas “superbactérias”, micro-organismos resistentes aos tratamentos existentes, principalmente com relação ao uso de antibióticos. As superbactérias se desenvolvem em razão do uso em excesso de antibióticos em humanos e na produção agropecuária e exemplares resistentes aos mais potentes medicamentos já foram identificados em diversos países, incluindo o Brasil.

A organização já havia se pronunciado após o HIV em 2001, doenças crônicas, em 2011, e ebola, em 2013. Agora, com o acordo assinado por 193 países das Nações Unidas, em setembro, deve-se prevenir a morte de 700 mil pessoas por ano. Pela declaração, os signatários terão dois anos para apresentar um plano de ação e os países também se comprometem a desenvolver sistemas de regulamentação e vigilância sobre o uso e venda de antibióticos para humanos e animais; encorajar pesquisas para o desenvolvimento de novos antibióticos e métodos de diagnóstico rápido; além de educar profissionais de saúde e o público em geral sobre como prevenir infecções.

Em estudo encomendado pelo governo britânico e liderado pelo economista Jim O’Neill, há uma critica quanto à prática de agricultura e pecuária em usar antibióticos para incentivar o crescimento de animais em vez de tratar sua infecção. Nos EUA, 70% dos antibióticos são usados em animais e essa prática pode espalhar a resistência de bactérias a antibióticos para infecções em humanos, como aconteceu com a resistência à colistina registrada no ano passado, diz o estudo.

Além da estimativa de 10 milhões de mortes por ano em 2050 (baseada no relatório citado), a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) chama atenção para outro viés: nove milhões dessas mortes serão nos países em desenvolvimento e 2/3 do peso financeiro também serão sentidos nesses países. Números que apontam para a necessidade de uma ação imediata, além de alertar que a questão não é apenas uma preocupação do mundo desenvolvido. “Sabemos que o Brasil é um dos mais importantes países produtores de gado do mundo. Isso significa que as medidas tomadas no Brasil sobre o uso responsável de antimicrobianos terão um grande impacto na redução da ameaça de resistência antimicrobiana e quando o Brasil assumir um papel de liderança nessa questão, o setor pecuário se beneficiará disso, assim como os consumidores, tanto nacionalmente, como em outros países”, divulga a FAO. A organização confirma que a Suécia e a Noruega já se comprometeram em reduzir enormemente a utilização de antimicrobianos na agricultura e ainda mantêm as indústrias de gado, aves e aquicultura economicamente bem sucedidas. “Os antimicrobianos não devem ser um substituto para práticas de higiene ou de criação inadequadas”, destaca a FAO.

Além do primeiro passo, que é eliminar a utilização quando não é necessária (como para promover o crescimento, por exemplo), também incentiva-se o melhoramento das práticas de gestão. A organização alega que “promove sistemas de criação sustentáveis e métodos alternativos como o aumento da biossegurança, a vacinação, o manejo do colostro, o suporte nutricional e práticas gerais de higiene. Outras estratégias estão atualmente em desenvolvimento, incluindo a alimentação de prebióticos, probióticos e culturas de exclusão competitiva”.

Como são essenciais para o combate a doenças e para a produção de proteína em quantidade e qualidade necessárias, o uso racional e coerente de tais produtos são encorajados pela Elanco (São Paulo/SP), empresa global de saúde animal. O diretor de Serviços Técnicos, Oclydes Barbarini Júnior, defende a diferenciação entre os produtos de classe compartilhada e de uso exclusivo animal (neste caso, ele destaca que nos de classe compartilhada deve-se buscar a eliminação completa do uso, principalmente como promotores de crescimento), o estímulo à prescrição e ao controle veterinário e a educação da população. “Também estamos buscando alternativas como produtos voltados à prevenção, vacinas, enzimas, pro-bióticos e novos antibióticos voltados exclusivamente a animais, que não interferem de maneira alguma na saúde humana. Outras medidas são essenciais e devem ser incentivadas desde já e elas dizem respeito ao manejo: ações profiláticas, aumento do conforto e bem-estar animal, entre outras”, complementa o diretor.

Barbarini Júnior ainda destaca a relação entre a saúde animal e humana. “Não há como ter um ser humano saudável se o animal, que é base de sua alimentação, não está saudável. Homens e animais saudáveis, por sua vez, quando amparados por tecnologia e pesquisa, demandam menos recursos e mantém o mundo saudável. É um circulo virtuoso”, diz. Visando isso, a empresa retirou do mercado brasileiro um antibiótico de classe compartilhada utilizado como promotor de crescimento antes mesmo de qualquer manifestação de órgão regulatório ou entidade supre-governamental, desde então buscando declinar todos os produtos com estas características.

O problema com resistência de bactérias aos antimicrobianos é reparado desde os tempos mais antigos, quando exames atuais de ossos retirados de múmias de faraós do antigo Egito mostraram que muitos deles haviam morrido de tuberculose óssea. Exames detalhados apontaram, em material colhido destes ossos, a presença de bactérias (Mycobacterium tuberculosis) com perfil de resistência (genes de resistência) aos atuais antimicrobianos. Para o parceiro do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Saúde (Sindan, São Paulo/SP) e professor titular sênior da Universidade de São Paulo (USP, São Paulo/SP), João Palermo (foto lateral), os antimicrobianos não induzem a resistência, apenas selecionam as bactérias resistentes, que existem devido à seleção natural de alguns genes de resistência.

Ele afirma que o uso dos antimicrobianos, no máximo, aumenta a pressão de resistência já existente e isto acontece em todos os locais onde eles são usados: nos hospitais, em especial nas UTI’s, no campo, nas granjas etc. O especialista ainda destaca o tratamento dos animais de produção, aves e suínos principalmente, que é feito de forma “massal”. “Se um ou alguns deles ficam doentes, no dia seguinte este número será bem maior e, em poucos dias, se não tratados, todos morrerão. Faz-se, então o chamado tratamento metafilático, tratam-se todos os animais que estão juntos, os doentes e os sãos”. Palermo lembra que não é possível fazer tratamento individualizado por via parenteral (injeção) e tampouco administrar o antimicrobiano pela boca (via oral) em cada um dos animais separadamente, que costumam ser milhares. Desta forma, a medicação é feita por meio da água de bebida ou misturada com a ração. “Isto não é feito no ser humano, pois, evidentemente, somos todos diferentes uns dos outros e podemos ingerir os medicamentos de forma individualizada. Portanto, não há nada errado em fazer a medicação com antimicrobianos desta forma. Deixar os animais morrerem por falta de tratamento não seria ferir os princípios de ética relacionados aos animais?”, questiona João Palermo.

Tanto o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA, Brasília/DF) quanto o Sindan defendem o uso prudente de antimicrobianos. No entanto, o especialista não concorda com a afirmação de que as superbactérias decorram do uso exclusivo de antimicrobianos em medicina veterinária, em especial nos animais de produção. “Deixar de usar este tipo de medicação seria simplesmente negar tratamento aos animais e reduzir de forma drástica o volume de carne produzida para consumo interno e para exportação, isto resultaria em aumento do custo da produção (e o preço do quilo de carne nos supermercados) e reduziria ainda mais o PIB brasileiro, que no momento é sustentado em grande parte pela agropecuária nacional que, aliás, orgulha a todos nós da cadeia produtiva”.

O caminho a ser trilhado deve focar na melhoria dos sistemas de produção e manejo dos animais no sentido de evitar fatores de risco associados a maior ocorrência de enfermidades. Neste aspecto, o Brasil tem muito a evoluir com relação ao fluxo de animais, produção em lotes, vazio sanitário, biosseguridade dos sistemas de produção e na qualidade das instalações para facilitar a higiene e desinfecção, entre outros.

A Embrapa Suínos e Aves (Concórdia/SC), representada pelos pesquisadores Nelson Morés, Jalusa Deon Kich e Janice Zanella (chefe geral da Unidade), acredita que na atual escala e modelos de produção os antibióticos são utilizados para manter a saúde dos animais. Além das boas práticas de produção, os especialistas ressaltam que existem alternativas como aditivos nutricionais que melhoram a saúde intestinal e digestibilidade dos alimentos, além das vacinas contra os principais agentes que atacam os rebanhos. “O problema é complexo, exige investimentos no setor e, principalmente, melhoria em treinamentos dos técnicos e produtores que atuam na produção animal. As empresas e produtores terão que abrir mão de alguns métodos produtivos tradicionais que facilitam a ocorrência de doenças e privilegiar métodos ambientais e de manejo que levam em conta a prevenção da disseminação de agentes infecciosos causadores de doenças. O sistema de produção animal está constantemente submetido a desafios que devem ser superados conjuntamente com a pesquisa e órgão oficiais reguladores, criando soluções socialmente sustentáveis”, declara a Embrapa.

Apesar de o assunto ser velho conhecido da cadeia produtiva, agora ele está nas rodas de conversa do consumidor e a atenção deve ser redobrada. Como as pessoas estão cada vez mais preocupadas com o meio ambiente e a saúde, exige-se uma maior transparência do setor de proteína animal com relação a questões como a levantada nesta polêmica. No entanto, para Palermo, culpar apenas um setor por este problema de responsabilidade partilhada “é ver a árvore e deixar de enxergar toda floresta”.