Luma Bonvino, de São Paulo (SP)
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Medo do planejamento, o que significa admitir o fim de um mandato, receio em perder o poder e até resistência e falta de conhecimento junto ao assunto, já que o que não se sabe lidar vai ficando “mais para frente” são alguns dos motivos que ainda fazem do processo sucessório um tema tabu junto aos empreendedores rurais. Apesar de uma maior demanda identificada e uma aproximação de práticas e métodos, a passagem do bastão gerencial das empresas é um momento complexo, mas que pode ser construído e articulado, para que na troca de “mãos” haja solidez.
O primeiro passo está na profissionalização. O conselho parece chavão no mercado, mas, quem não encarar a produção como um negócio estruturado pode sim perdê-lo. A pecuarista Carmem Perez viveu isso na pele. Um avô centralizador, um afastamento por problemas de saúde e uma família não completamente integrada aos negócios. Os ingredientes fizeram a receita que nenhum consultor de gestão gosta de provar: a venda de um negócio formatado, no caso uma usina de açúcar, construída com anos de trabalho e dedicação. “A família não profissionalizou o processo sucessório e isso impactou no sentido de desfazer de um patrimônio que meu avô com tanto esforço construiu. Essa é a importância e fragilidade do negócio. Quando não é realizado, ele se desmancha, e, em nosso caso, não conseguiu terminar a segunda geração”, comenta a executiva. De acordo com ela, a “quebra do trono” se dá quando o “rei” vai passar a coroa, mas os “príncipes” e “princesas” não conseguem identificar suas funções e hierarquias.
Nesse momento entra a governança, que é um conjunto de regras, critérios, que ajuda no processo de tomada de decisão, sendo a sucessão em si o ato de como transmitir para a próxima geração o patrimônio ou eventualmente a gestão. A definição do professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV, São Paulo/SP) e sócio da Markestrat, Fábio Mizumoto, que aponta como vencedoras as famílias que nesse processo fizeram um esforço de planejamento, envolvendo pessoas e o comprometimento dos familiares com o plano central. De acordo com ele, entre os dois temas o dito popular se aplica: “O combinado não sai caro, então se eu combino com a minha família como será a transição, quem vai assumir os cargos, como serão divididas as tarefas, os bens e equipamentos, entre outros, terei sucesso. Quando há termos previamente acordados e as expectativas já estão alinhadas a chance de eu ter uma boa sucessão aumenta bastante”, pontua.
Por isso o profissional aconselha estruturar a governança e planejar a sucessão para hoje. A passagem de fato pode acontecer no momento futuro, mas é preciso ter o planejamento de como vai acontecer, já que ele leva de 2 a 5 anos para se concretizar.
No caso de Carmem, como não houve tempo e nem uma maturidade empresarial para encarar o processo, a venda do negócio foi eminente e, para ela, realmente a melhor opção do momento. A lição, no entanto, foi aprendida. Outro negócio da família, uma fazenda de seringueira e pecuária no Mato Grosso, ficou sob a liderança da herdeira e gestora. “A minha vida inteira eu frequentei a fazenda, sendo apaixonada pela natureza, mas nunca tinha olhado como um negócio. Quando eu pensei em perdê-lo o agarrei com unhas e dentes”, comenta e acrescenta que acredita que seja esse o diferencial do negócio familiar, o sentimento de raiz, o enlace emocional. “O acontecimento do passado serviu de lição para muitos, inclusive para mim com minha filha para entender todo o processo. Por isso minha dica é uma orientação profissional associada a um trabalho de perseverança diário”, resume Perez.
Mizumoto também acredita no trabalho contínuo para gerar bons frutos, porém levando em consideração as peculiaridades do negócio agro. “Há uma brincadeira no meio rural que diz que o agricultor vive pobre e morre rico. Esse profissional muitas vezes tem um capital investido em terras que é alto, muito relevante. Ele faz esse patrimônio crescer, adquirindo terras, mas tem uma vida muito regrada. Entretanto, quando se olha para o impacto de impostos sobre o patrimônio que será transferido para a próxima geração, este acaba sendo elevado. Essa é uma das principais diferenças na comparação com outros setores”, elenca o profissional especialista na área.
Outro ponto específico do setor, segundo o professor, são os perfis que vêm se tornando a segunda geração dos negócios. “Tenho observado no processo sucessório uma participação importante das mulheres, tanto no âmbito qualitativo quanto quantitativo, agregando visões analíticas ao negócio”, diz sobre uma das características levantadas. Nessa definição, também, dois grupos de contraste: os que sempre trabalharam no negócio, cuja decisão de participar “nunca” existiu, ocorreu de maneira orgânica, o que faz com os novos profissionais tenham trabalhado apenas sob um modelo de gestão. “Nesses casos é preciso levar certa oxigenação gerencial, aproveitando o ímpeto de novas gerações em aprender novidades. A troca de experiência entre gestores enriquece o processo”, fala Mizumoto.
Na outra ponta, o grupo de sucessores que nunca vivenciaram a prática e se viu herdeiro de fazenda, por exemplo. “Eles são desconectados com o agro. Vejo isso no MBA de agronegócios: no passado 10% da sala correspondiam a esse perfil, atualmente, cerca de ¼ são de diferentes profissionais e buscam uma primeira aproximação ao tema”, avalia.
Essa sede de conteúdo vem sendo abastecida também pelo boom da comunicação digital e a capacitação desenvolvida em eventos, como sinaliza o professor que foi um dos palestrantes do 6º Fórum Nacional de Agronegócios, organizado pelo Grupo de Líderes Empresariais (LIDE), em 30 de setembro. “Nós tratamos sucessão em três níveis nessa edição, nas empresas, nas fazendas e nas instituições e representação. Nas fazendas porque é relevante, onde se tem momento disruptivo e as inovações são de domínio da juventude. Nesse ambiente é preciso aproveitar a experiência acumulada por gestores com muito tempo na atividade com a cabeça de TI que os jovens têm, culminando no rejuvenescimento da gestão”, inicia o presidente do LIDE Agronegócios e ex-ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues. “Na gestão das empresas familiares a problemática está na disputa entre herdeiros que levam ao desfalecimento da empresa”, continua sobre a preservação, finalizando no terceiro extrato: “Instituições. Esse é o mais grave. Elas representam milhares de produtores que escolheram um líder. Se esse líder não for moderno, ativo e atuante, perde o sentido de representação, o que pulveriza uma série de entidades que não representam o setor. É necessária uma voz única, consistente, que resolva os problemas centrais de cada categoria”.
Nessa convergência de época, gerações, modelos de negócio e tipos de líderes, Mizumoto resume: “Gestor tem validade, a pessoa não. Se ela recicla, pode ficar o tempo que for. Se o gestor não se permite essa renovação ele entra em uma obsolescência e precisa dar espaço para outro”. Assim, o prazo de validade fica a cargo de cada um, mas, atenção para o produto não estragar.