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Abate de animais de produção no Brasil deve seguir regras de bem-estar

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Natália Ponse, da redação

natalia@ciasullieditores.com.br

A carne que chega até a sua mesa percorre um longo caminho e envolve uma série de procedimentos: desde a criação do animal até o seu transporte para o frigorífico e o seu abate. Razão de ampla discussão entre defensores do vegetarianismo/veganismo (dietas que excluem carne do cardápio) e carnívoros, o momento do abate é o tópico central: de que forma é realizado, afinal? O animal passa por dor e sofrimento? Estas perguntas serão respondidas a partir de agora.

A Organização Mundial da Saúde, que abrange 172 países e territórios (incluindo o Brasil) dispõe, desde 2005, de um capítulo sobre o bem-estar animal no Código Sanitário dos Animais Terrestres. Esta é a única organização referência para elaboração dos princípios internacionais sobre o assunto, reconhecida pela Organização Mundial do Comércio. No Brasil, desde 2008, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA, Brasília/DF) dispõe de uma Comissão Técnica Permanente de Bem Estar Animal, com o objetivo principal de coordenar as mais diversas ações referente a este tema. No entanto, o decreto nº 24.645, de julho de 1934, já trazia preceitos sobre o bem-estar dos animais até o frigorífico.

egundo o documento, está proibido: “Não dar morte rápida, livre de sofrimentos prolongados, a todo animal cujo extermínio seja necessário, para consumo ou não”; “Conservar animais embarcados por mais de 12 horas, sem água e alimento, devendo as empresas de transportes providenciar as necessárias modificações no seu material” (em São Paulo são seis horas); “Conduzir animais, por qualquer meio de locomoção, colocados de cabeça para baixo, de mãos ou pés atados, ou de qualquer outro modo que lhes produza sofrimento”; “Transportar animais em cestos, gaiolas ou veículos sem as proporções necessárias ao seu tamanho e número de cabeças”; e outros.

Desde então é terminantemente proibido que animais passem por sofrimento desnecessário antes mesmo do momento do abate. Por meio de fiscais, o MAPA avalia frigoríficos brasileiros para certificar o emprego de procedimentos técnicos e científicos que garantam o bem-estar dos animais desde o embarque na propriedade rural até a operação de sangria. “As próprias agroindústrias e frigoríficos seguem isso à risca, já que são fiscalizados rotineiramente pelos fiscais federais, até por conta das missões internacionais de seus clientes, que avaliam, entre os itens necessários para que o Brasil exporte, o bem-estar animal”, explica o diretor Executivo da Associação Brasileira dos Criadores de Suínos (ABCS, Brasília/DF), Nilo de Sá (foto).

Para todos os tipos de abates são consideradas essenciais que sejam respeitadas as cinco liberdades, sendo elas: “livre de fome, sede e má nutrição”, “livre de desconforto”, “livre de dor, injúria e doença”, “livre para expressar seu comportamento normal” e “livre de medo e estresse negativo”.

Abate humanitário em bovinos

Os caminhões responsáveis pelo transporte dos bovinos devem ser previamente limpos e desinfetados, evitando luz e ruídos em excesso, que podem ocasionar stress aos animais, bem como é obrigatório espaço suficiente para que o animal não fique desconfortável. As instalações na chegada ao frigorífico devem possuir laterais vazadas, em formato de espinha de peixe, tornando as porteiras mais visíveis aos animais e facilitando a entrada e saída no curral, o que reduz o risco de lesões. Essa adaptação, que deve ser ajustada à capacidade de cada frigorifico, acontece porque os bovinos têm dificuldade em fazer curvas acentuadas.

Após o desembarque, os animais devem ficar no máximo 24h em descanso, sob dieta hídrica (apenas água é consumida). O tempo de jejum total deve estar compreendido entre 12 e 16 horas. Esse tempo de espera, que varia conforme a distância percorrida, tem como objetivo, além de fazê-los se recuperarem das perturbações surgidas no deslocamento desde o local de origem até o estabelecimento de abate, reduzir o conteúdo gástrico para que a evisceração da carcaça seja facilitada. Após este período os animais passam pelo banho de aspersão, que tem como objetivo limpar a pele para assegurar uma esfola higiênica, reduzir a poeira diminuindo a sujeira na sala de abate e minimizando a agitação até o local de abate.

Os corredores até a sala de abate devem ser largos, já que os bovinos são motivados a caminhar quando visualizam outros animais andando. A insensibilização é realizada dentro de um box estreito, para que o boi não se mova durante o disparo da pistola de dardo cativo (que pode ser penetrativo ou não). O tempo de permanência neste local deve ser o menor possível e os equipamentos de dardo cativo têm como finalidade causar perda imediata da consciência, o qual é obtido em torno de 150 – 200 milésimos de segundo. A força causada pelo impacto do dardo contra o crânio do animal produzirá concussão cerebral, tornando-o inconsciente em aproximadamente dois milésimos de segundo, assegurando que o mesmo não sinta dor.

Após esta ação o boi não pode apresentar sinais de sensibilidade (reflexo corneal, olhar focado, resposta a estímulo de dor, respiração rítmica, tentativa de endireitar-se). Se o procedimento falhar e o bovino apresentar tais sinais, o operador deverá imediatamente repetir o procedimento de insensibilização, utilizando uma pistola portátil (de preferência com dardo penetrativo) antes de suspender o animal e sangrá-lo.

Abate humanitário em suínos

O desembarque deve ser realizado por meio de rampa com piso antiderrapante (metálico de preferência, para facilitar a limpeza, e sem arestas ou pontas que possam machucar os animais), com paredes laterais para evitar a distração dos suínos no desembarque, evitando quedas; inclinação máxima de 15 graus e cobertura para proteger das ações do tempo (sol, chuva e vento). Os corredores de condução às baias devem ser largos e com paredes laterais fechadas, permitindo a condução de grupos pequenos de suínos, já que estes também se sentem melhores quando andam em grupo (a pequena quantidade de animais refere-se a um melhor manejo caso algum deles se exceda e não queira acompanhar o fluxo).

Após o desembarque o suíno deve ser encaminhado para as baias de descanso por meio de corredores largos e sem contraste de cores/luz. Deve ser fornecida água em período constante, além de nebulização (o “banho”) em condições ambientais com a temperatura superior a 20º e umidade relativa menor do que 80%, em períodos de 30 minutos na chegada dos animais e 30 minutos antes do abate. Durante o manejo dos suínos deve ser utilizada uma barreira física (tábua de manejo), barreira visual (lonas e tábua de manejo) ou estímulos auditivos (chocalho, remo, ar comprimido, voz). O bastão elétrico é um método que deve ser utilizado apenas em extrema necessidade, quando todos os outros não obtiveram resultados satisfatórios. Este método causa dor ao animal e deve ser aplicado somente nos membros traseiros, nunca nas áreas sensíveis como olhos, focinho e genitais.

Após o período de descanso os animais são conduzidos para a linha de abate. A insensibilização de suínos é realizada, em sua maioria, por meio da insensibilização elétrica (conhecida também como eletronarcose). A amperagem correta (300 volts para suínos em terminação) resulta na perda instantânea da consciência e faz com que o animal não sinta dor. Quando bem realizada, a insensibilização, além de garantir o abate sem dor, também reduz problemas de qualidade da carne. Imediatamente após o choque, o suíno cai e apresenta contrações musculares. Após isso, a musculatura relaxa, a respiração rítmica ausenta e o animal não deve possuir reflexo corneal (não piscar ao toque) e deve estar insensível a dor. A sangria deve ser realizada em até 10 segundos após a descarga elétrica para que não haja recuperação da consciência. Além da insensibilização elétrica, alguns frigoríficos optam pela exposição ao gás CO², que possui comprovada eficácia para a qualidade da carcaça, com redução significativa de fraturas, e garante a possibilidade de insensibilizar suínos em grupo. Porém, seu custo operacional é maior, além de não provocar perda da consciência imediata.   

Abate humanitário em aves

A Organização Mundial da Saúde Animal (OIE na sigla em inglês) proíbe o método de apanha pela cabeça (pescoço) ou por uma única asa, já que estes causam lesões, dor e sofrimento as aves, afetando diretamente o bem-estar animal. Para colocá-las nas caixas de transporte, é recomendado segurar até três aves pelas duas patas de cada ave ou, uma ave por vez, pelo dorso. No caminhão até o frigorífico, também é recomendado a atenção para com a temperatura, a fim de evitar estresse térmico.

Chegando ao destino as aves são encaminhadas ao galpão de espera, onde devem permanecer em local arejado e com baixa iluminação. Os animais devem permanecer entre uma e duas horas neste espaço para que não fiquem estressados. O tempo de jejum, com livre acesso a água, deve ser de seis a oito horas na granja, somando-se ao período de transporte e espera no frigorífico, totalizando um período de oito a dez horas sem alimento. Este período não deve exceder 12 horas.

A linha de pendura, processo automatizado que permite alta velocidade no abate em um curto período de tempo, é o sistema mais utilizado no Brasil em associação às cubas de imersão com água eletrificada, para a insensibilização. Neste trajeto a iluminação deve ser uniforme, as duas patas das aves devem ser encaixadas corretamente a fim de evitar lesões, e aquelas que ficarem agitadas devem ser contidas por um operador devidamente capacitado para tal – o usual é acalmá-las manuseando gentilmente após a pendura mantendo a mão no corpo da ave por um ou dois segundos, para que o bater de asas diminua.

A insensibilização acontece por meio da cuba de imersão com água eletrificada, onde a cabeça da ave deve ser imersa antes da asa para que não ocorra o pré-choque, quando o animal faz contato com a água antes de ser insensibilizado. Este método por eletrocussão induz à inconsciência da ave seguida de morte por fibrilação ventricular, método irreversível e portanto mais seguro para que a ave seja encaminhada à sangria já inconsciente. Com base na legislação brasileira, o processo de sangria deve perdurar por no mínimo três minutos para que a ave possa entrar no tanque de escaldagem.

Técnica aplicada na rotina. Na próxima reportagem da série Abate Humanitário, o portal feed&food mostra de que forma as associações, entidades e empresas veem essa questão empregada na prática.