Natália Ponse, da redação
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Durante milhões de anos, o Brasil e a África “cresceram juntos”, como irmãos siameses. Assim foi durante o período do supercontinente Pangeia, que unia todos os continentes da Terra. É de se esperar, portanto, que ambas as nações apresentem similaridades, já que no passado foram uma só. As condições ambientais são parecidas às do Cerrado brasileiro; a necessidade de desenvolver medidas de resiliência ou adaptação aos efeitos de mudanças climáticas, com foco na irrigação, também. Tudo isso transforma a África em um grande (literalmente) irmão.
E como irmãos que amadurecem dentro de uma casa, ambos também destoam em alguns aspectos. Entre eles está a produção de alimentos, que no Brasil o coloca como “celeiro do mundo” e responsável por alimentar as 10 bilhões de bocas em 2050, mas que na África é majoritariamente para subsistência, em regime de produção familiar, com baixo uso de tecnologia e em propriedades de pequeno porte.
Seguindo a linha dos adjetivos referente ao tamanho, o continente se destaca também como intenso importador, dispendendo anualmente US$ 35 bilhões em importações de itens alimentares. Se nenhuma ação vigorosa for realizada naqueles países, no curto prazo, este valor aumentará para US$ 110 bilhões em 2025, segundo dados do Banco Africano de Desenvolvimento (African Development Bank). Segundo o consultor independente de Novos Negócios e Estudos de Viabilidade Técnico-econômicos na África Subsaariana, João Paulo Simões, entre os formuladores de políticas públicas e governantes, bem como a nível internacional (Banco Mundial, parceiros de cooperação bilateral etc), há um consenso de que este aumento de importações alimentares não é sustentável. “Sobretudo tendo em vista que a África possui condições de solo satisfatórias para produzir localmente grande parte dos itens mais relevantes desta pauta, como arroz, açúcar, óleos alimentares, produtos da avicultura e bovinocultura, pescado e outros”, explica.
Do ponto de vista brasileiro, são exportados ao continente africano US$ 5 bilhões em 2016. Os produtos que encabeçaram essa lista são o açúcar e o cacau, mas a venda de produtos relacionados à proteína animal, apesar de tímida, é presente. Os dados da tabela abaixo são do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA, Brasília/DF).
Produto | Valor(US$) | Peso(Kg) | Participação |
CARNE BOVINA in natura | 638.472.158 | 194.993.829 | 11,8% |
CARNE DE FRANGO in natura | 464.254.649 | 508.818.511 | 8,6% |
CARNE DE PERU in natura | 54.387.229 | 49.674.265 | 1,0% |
CARNE SUÍNA in natura | 48.801.660 | 36.268.971 | 0,9% |
MIUDEZAS DE CARNE BOVINA | 42.494.155 | 30.303.394 | 0,8% |
DEMAIS PREPARAÇÕES DE CARNES | 42.012.259 | 43.582.849 | 0,8% |
CARNE BOVINA INDUSTRIALIZADA | 29.839.592 | 9.949.584 | 0,6% |
BOVINOS VIVOS | 18.579.736 | 7.913.210 | 0,3% |
DEMAIS CARNES E MIUDEZAS | 11.117.005 | 13.363.647 | 0,2% |
OUTROS PEIXES CONGELADOS | 10.735.818 | 6.780.098 | 0,2% |
MIUDEZAS DE CARNE SUÍNA | 8.245.244 | 13.210.354 | 0,2% |
FARINHAS DE CARNE, EXTRATOS E MIUDEZAS | 7.166.391 | 16.197.731 | 0,1% |
CARNE DE FRANGO INDUSTRIALIZADA | 6.326.158 | 3.188.872 | 0,1% |
CARNE SUÍNA INDUSTRIALIZADA | 3.589.310 | 1.300.061 | 0,1% |
CARNE DE PERU INDUSTRIALIZADA | 1.025.447 | 620.877 | 0,0% |
OSSOS E OSSEÍNA | 564.959 | 1.193.425 | 0,0% |
GALOS E GALINHAS VIVOS | 431.364 | 6.851 | 0,0% |
CARNE DE PATO in natura | 323.128 | 158.092 | 0,0% |
SÊMEN DE BOVINO | 132.205 | 7 | 0,0% |
BUBALINOS VIVOS | 117.297 | 15.600 | 0,0% |
OUTROS FILES DE PEIXE, CONGELADOS | 73.773 | 20.010 | 0,0% |
CARNES DE CAVALO, ASININO E MUAR | 70.092 | 53.100 | 0,0% |
OUTROS PRODUTOS DE ORIGEM ANIMAL | 54.015 | 37.134 | 0,0% |
SÊMEN E EMBRIÕES DE OUTROS ANIMAIS | 42.070 | 0 | 0,0% |
PENAS E PELES DE AVES | 39.204 | 70.800 | 0,0% |
De acordo com o coordenador-geral de Competitividade do Departamento de Acesso a Mercados e Competitividade do MAPA, Gustavo Cupertino, o Brasil mantém um bom relacionamento comercial com os países da região africana e há espaço para expansão, também relacionada ao avanço da classe média e desenvolvimento econômico no continente. “O Brasil, como membro do Mercosul, possui um Acordo de Preferências Tarifárias com a União Aduaneira da África Austral, também conhecida pela sigla em inglês SACU (envolve Botswana, Lesoto, Namibia, Suazilândia e África do Sul) e um acordo de livre-comércio com o Egito, que é o principal mercado no continente”, informa.
A Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA, São Paulo/SP) aponta que o continente importa do Brasil frango inteiro, cortes de aves e de suínos, miúdos de suínos, preparações, gorduras e outros. A venda de produtos avícolas e suinícolas para a África tem destaque na Angola.
Países da África | Exportações aves 2016 (mil toneladas) |
ÁFRICA | 512.342 |
AFRICA DO SUL | 221.866 |
ANGOLA | 66.288 |
EGITO | 97.202 |
GANA | 14.720 |
CONGO | 10.116 |
GABAO | 9.022 |
BENIN | 4.344 |
CONGO, REP. DEM. | 9.171 |
MAURITANIA | 2.593 |
MOCAMBIQUE | 2.783 |
OUTROS | 74.231 |
Países da África | Exportações suínos 2016 ( toneladas) |
ÁFRICA | 50.779 |
ANGOLA | 29.745 |
CONGO, REP. DEM. | 6.724 |
GABAO | 2.475 |
CAMAROES | 417 |
LIBERIA | 2.378 |
OUTROS | 9.037 |
Para o presidente-executivo da associação, Francisco Turra, o grande mercado almejado pelos exportadores brasileiros é a Nigéria, um gigante de 182 milhões de habitantes e com excelente potencial de crescimento de consumo (a África contribuirá com a maior parcela de crescimento populacional no mundo até 2050, da ordem de 54% de todo o acréscimo global, com elevação sem precedentes na demanda por alimentos, da ordem de 400% até aquele ano). Os grandes impeditivos, ele ressalta, estão nos bloqueios protecionistas. “No caso da Nigéria, por exemplo, são medidas protecionistas à indústria local, apesar do longo e detalhado trabalho que realizamos para mostrar nosso interesse em complementar a demanda do mercado, em complementariedade”, aponta Turra.
África em detalhes. Conhecida como “o berço da humanidade”, a nação africana avança para um processo de crescimento populacional, de urbanização e econômico vertiginoso. “A tendência de médio e longo prazo é de crescimento acima da média mundial, como ocorreu nos últimos dez anos anteriores a 2014, em que a África Subsaariana como conjunto cresceu a uma média de 6% ao ano, contra 3,6% de crescimento econômico na América Latina, segundo estatísticas do Banco Mundial. Isto sem falar em países específicos como Etiópia, em que o crescimento econômico médio anual em 10 anos foi de 11%”, explica João Paulo Simões.
O consultor, que trabalhou durante dez anos para o continente (seis deles residindo lá) realizou e participou de iniciativas voltadas a viabilidade técnico-econômica para implantação de produção agrícola e agroindustrial, como avicultura, bovinocultura, soja, milho e outros. “Contribuímos a estudos e planejamentos para algumas centenas de milhares de hectares voltados à produção agrícola, além de planos diretores agrícolas que contribuíram à identificação de mais de 8 milhões de hectares de terras aptas ao cultivo, em regimes de sequeiro e irrigado”, destaca Simões.
No entanto, ele lamenta, ainda faltam maiores níveis de acesso à tecnologia, pesquisa e extensão, sementes, fertilizantes, produtos e serviços voltados à sanidade vegetal e animal, máquinas e implementos agrícolas, financiamentos, seguros, plantas industriais de processamento entre outros. Some-se a isso os elevados níveis de desemprego (não raro superiores a 25%), sobretudo jovem, no continente. Por isso, há a percepção de que o agronegócio pode interpretar um papel fundamental na transformação econômica destes países.
Há pouco tempo entrou em vigor a Estratégia para Transformação da Agricultura na África 2016-2025 (Feed Africa), lançada pelo Banco Africano de Desenvolvimento, que prevê mobilizar até US$ 40 bilhões/ano (US$ 400 bilhões no período) em investimentos públicos e privados ao longo de cadeias produtivas prioritárias. Simões informa que empresas globais de produção de alimentos já despertaram para este potencial e têm anunciado investimentos multimilionários para desenvolver, no continente africano, produções de diversos segmentos. Entre os “apostadores” no continente africano, além dos grandes e médios empresários locais, o consultor destaca o crescimento por parte de grandes casas globais de “private equity”, que trata-se de uma modalidade de investimento iniciada nos EUA por volta dos anos 80, em que uma gestora compra uma parte de determinada empresa (ainda inexistente na bolsa de valores), se tornando uma sócia do negócio, com o objetivo de alavancar seus resultados a fim de aumentar o valor da companhia. Esse fundo lucra ao vender a parte que lhe pertence do negócio depois de contribuir para sua valorização.
As condições demonstram uma oportunidade em que o Brasil pode crescer ainda mais. “Há quem enxergue que, para além do abastecimento da demanda local, África pode transformar-se, em longo prazo, em uma nova e competitiva plataforma produtiva e exportadora para Ásia e Oriente Médio. Para nosso País isso é saudável a nível de investimentos para produção agrícola, agroindustrial e integração de cadeias produtivas no continente africano, quanto ao nível dos elementos de montante e de jusante das cadeias produtivas, que incluem máquinas e implementos agrícolas, tecnologias de processamento e agroindústria, entre outros”, salienta o consultor.
Embora existam desafios, sobretudo aqueles relacionados às reformas necessárias para melhorar o ambiente de negócios de diversos países africanos, a tendência é que o continente se transforme em um dos principais destinos de investimentos voltados à produção agrícola e agroindustrial. Somando esta realidade ao fato da África dispor de trabalhadores e empreendedores esforçados e com grandes ambições rumo ao futuro, ainda assim, João Paulo Simões acredita que continuarão a existir enormes oportunidades para exportação de produtos alimentares de origem brasileira. Os dois países seguirão, portanto, unidos no propósito de alimentar as 10 bilhões de bocas em 2050 e, assim, permanecerão unidos como irmãos, desde a Pangeia até o futuro.